Sobre os clichês adolescentes
“Adolescente é tudo igual” é um dos clichês que, definitivamente, mais me irritam. Não sei como o jovem recebe esta frase comumente proferida – e que, confesso, também repetia – mas hoje a levo muito mal. Como todo rótulo – e “típica” mãe de adolescente – costumava enquadrar filho neste padrão. Então descobri que o fazia para, senão esconder, suavizar minha inabilidade em desvendar suas singularidades.
Não à toa existem os clichês: generalizam situações comumente vividas a fim de poupar energia sobre o que “não tem jeito: é assim mesmo”. “Adolescente é tudo igual” é um destes inúmeros clichês repetidos cotidiana e displicentemente por muitos. A cada geração resiste porque é mais fácil crer na máxima de que “lidar com filho adolescente é impossível” do que suar para descobrir o indivíduo em profunda transformação e, por isso, necessitado de ajuda.
É inegável notar características comuns aos jovens. Igualmente inegável perceber a superficialidade dos clichês que, como dito, generalizam indivíduos os categorizando em massa formatada e, às vezes, até disforme. Códigos de comportamento e interesses, definitivamente, não definem meu adolescente e, ouso dizer, nem o seu.
Podem enganar e então confundir a ponto de nos cegar à essência de filho. Portanto, repetir e validar clichês adolescentes atrapalham mais do que ajudam. Pais de adolescente – cuja missão de formar adulto saudável para o mundo de hoje e do futuro nas atuais circunstâncias ficou ainda mais desafiadora: ajudar filho a descobrir e desenvolver sua identidade exige que o enxerguemos único e bem diferente dos outros. Afinal, ele é!
O jovem não é tudo igual
O clichê “adolescente é tudo igual” de fato nos dá algumas dicas sobre como é o jovem. A partir de atitudes, gostos e interesses comumente percebidos, somos induzidos a generalizar o adolescente e a conviver com ele de forma padronizada. Nesta indiferenciada e monótona relação emitimos mensagens subliminares a filho adolescente:
– Você é igual a qualquer outro jovem.
Também rotulei filho e participei deste coro massivo e entediante. Ao padroniza-lo não só o tornava nada especial aos meus olhos maternos como também lhe roubava a identidade que arduamente tentava formar. Mensagens pejorativas sobre seu modo de ser – aparentemente ingênuas – arruinavam com seu esforço de se firmar como indivíduo. Cega aos involuntários estragos, gradualmente nos distanciávamos um do outro.
Julgando aparência e comportamentos desconsiderando personalidade e experiências, nutri e corroborei com a imagem comum e uniforme de adolescentes em geral. Inconsciente, e arrisco dizer displicente, tornava a luta de autoafirmação de filho adolescente ainda mais difícil… desde casa.
Mãe de adolescente clichê
Crítica contumaz de filho-adolescente-é- tudo-igual, me incomodava com sua aparente “falta de personalidade”. Certa vez, esbravejei:
– Fala sério! Só porque a “galera” usa desse jeito, você também vai usar?
– Saco, mãe! Nada a ver! É assim que se usa, pô! E, quer saber? Você não sabe de nada! – retrucou bravo e, arrisco dizer hoje, ressentido.
A discussão teria sido como tantas outras não fosse sua observação final:
– Não sei de nada o quê? – pensei.
Foi para mim uma pista. Talvez proposital; ou não, só uma resposta evasiva como outra qualquer. Fato é que senti a resposta como um “sacode” depois de um breve torpor e me vi tão clichê quanto o “adolescente é tudo igual”: mãe repetitiva, monótona e previsível. Não gostei do que vi e me ressenti disso.
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Desejos do adolescente
Enquanto enquadrava filho no clichê “adolescente é tudo igual” reiterava minha leitura sobre sua personalidade indiferenciada, reforçava sua incompetente autenticidade; sua fraqueza de não ser. O clichê é ardiloso e injusto ao adolescente: lhe causa dor e arruína sua autoestima.
O adolescente sofre inúmeras inquietações que intuitivamente o levam a buscar refúgio para, antes de tudo, sobreviver às novas investidas cobradas ao seu ingresso no mundo adulto. Padronizar-se, portanto, é a saída para resistir e seguir adiante.
Por trás da ideia de que adolescente é tudo igual há mais do que a superficiais similaridades naturais da fase. Há inúmeros – e profundos – desejos de sobretudo:
1- Ser aceito;
2- Ser valorizado;
3- Sentir-se seguro ou, no mínimo, parecer seguro;
4- Pertencer a um grupo;
5- Ter apoio de amigos.
No mundo adulto, sobreviver é prioridade. No adolescente é ajustar-se ao padrão como estratégia de sobrevivência. Então vivo e seguro, o adolescente pode seguir em sua inquietante busca de identidade única e pessoal. Deparar-me com tamanha revelação me convenceu que, de fato, “não sabia de nada“.
O clichê adolescente é tudo igual
Repetir o clichê “adolescente é tudo igual” me cegava à luta de filho adolescente, primeiro, de sobreviver à fase de transformação, esta sim, generalizada. O reducionismo da frase aumentava sua urgência em se diferenciar em meio à massa mas a conquista de seu espaço no mundo adulto parecia quase impossível diante de tanto obstáculo até mesmo dentro de casa.
Despertar para este complexo e desafiador processo determinou minha mudança em relação ao adolescente… em geral. Por trás da aparente padronização, descobri motivos que não só justificavam as similaridades mas também as diferenças entre os jovens em franco desenvolvimento e expansão para o mundo.
Aboli os clichês, especialmente “adolescente é tudo igual”: além de não ajudar, minam relações, inclusive com filho adolescente o que, definitivamente, quis restaurar. Ao fazê-lo, compreendi que formar outro ser – saudável – para o mundo passa também por assegurar a filho o apoio à sua luta por um lugar ao sol como indivíduo genuinamente único e diferente da massa.
Seres únicos e diferentes
Corroborar com os clichês adolescentes – dentre muitos o mais comum “adolescente é tudo igual” – traiçoeiramente também me tornei mãe clichê, ou seja, igual e massificada como muitas outras mães de adolescente. Esta é a justificativa de minha atual ojeriza a rótulos e clichês: me forçam a ser o que não sou nem quero ser.
As ciladas estão em todo lugar. Mais atenta e consciente, aprendi a evitar as conhecidas. Porém, o perigo espreita e nós, pais de adolescente há gerações ensinados a percorrer atalhos de clichês adolescentes, precisamos mudar esta realidade primeiro os abolindo de nossas crenças; depois, buscando saídas efetivas para viver a desafiadora transformação de filho como parceiros neste crescimento que é de todos.
Não nos enganemos: relacionamento com filho adolescente é trabalho duro de reconhecimento mútuo em nova fase de amadurecimento em que frases simplistas e opiniões superficiais esvaziam a riqueza da experiência familiar. Cumprir a missão de formar adulto saudável para o mundo é tarefa árdua e, sim, possível mas exige de nós mais suor e menos atalhos para nos tornarmos quem queremos ser. Ainda que o insista em querer nos moldar, somos indivíduos únicos. Basta que nos enxerguemos de verdade; sem clichês.
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