Pais de adolescente, vigiai!
Dias atrás, um psicólogo provocou discussão sobre os fatores que hoje tornam adolescente ansioso. O diálogo com a audiência, no entanto, foi previsível e, por isso, não me agregou muito. Como muitos, apontou o estilo de vida atual como os agentes determinantes desta realidade ao que, para mim, pareceu um desperdício de oportunidade de ampliar o debate cutucando pais a uma autocrítica sobre como eles mesmos tem lidado com o mundo atual. para uma leitura maior do problema.
Sem dúvida, pressão familiar, ambiente escolar e preocupação com o futuro são conhecidos “vilões” não somente ao adolescente “de hoje” mas a todo jovem na fase de desenvolvimento de identidade. Porém também nós, pais, vivemos era de mudanças profundas e de incertezas o que, naturalmente contribui para nos tornar pais ansiosos.
No entanto, absorvemos a informação simplista que terceiriza os problemas causados ao adolescente ansioso e, como que por osmose, repetimos até crer nos discursos prontos como resposta aos nossos “atuais” anseios e angústias de formar adulto saudável para o mundo “de hoje”.
Pais ansiosos: não se deixem enganar!
A inaptidão para lidar com a nova ameaça primeiro nos assusta e, depois, nos paralisa a ponto de delegarmos ao tempo – seja lá o que isso significa – as novas respostas ao problema que cabe a nós resolver. Mediante circunstâncias tão diferentes do passado, me sinto mais exigida a conhecer – e me esforçar – para formar filho saudável para o mundo de hoje e mais convencida de que gerações anteriores contaram com a valiosa vantagem de trilhar caminho percorrido e comprovadamente seguro a quem o repetisse.
Portanto, não nos iludamos com a falsa ideia de que o mundo – seja “ele” quem for – está contra nós, pais ansiosos. Em vez disso, arregacemos as mangas para encara-lo de frente, aprendendo sobre ele e desvendando os caminhos capazes de nos fazer concluir a missão de formar adulto para o mundo de hoje e de amanhã.
De fato, criar filho para o mundo nos exige hoje competências ainda desconhecidas mas uma, dentre muitas, sobressai: a constante vigilância para não transmitir a filho nossa própria ansiedade por desconhecer este mesmo mundo hoje e amanhã.
Uma geração de adolescente ansioso
Longe de contestar diagnóstico de especialista; mais longe ainda discordar dos motivos e das consequências apontados pelo estudioso no assunto. O mundo hoje, de fato, torna a vida do adolescente de hoje fardo (mais) pesado do que no passado.
Atingir as metas de autonomia neste mundo tão mudado, decerto complicou o dever de pais que, desapercebidamente, acabam por contribuir com resultado oposto ao esperado: o de criar adolescente ansioso. Mãe de dois, vivo na prática a ameaça da ansiedade batendo à minha porta diariamente; não só pelos motivos listados mas por outros potencialmente tão danosos quanto estes: eu mesma.
Considerando a imensa virada do mundo atual, o alto índice de adultos e pais ansiosos não surpreende. A vida profissional extremamente competitiva, a revolução cultural e tecnológica assustadoramente agressiva, as relações pessoais surpreendentemente distintas, tudo contribui também com a formação de pais criticamente inseguros e ansiosos.
Mundo novo para pais de hoje
Meu adolescente viveu a ansiedade naturalmente sem saber nomeá-la e, logo, o diagnóstico do especialista me ajudou a “reconhece-la”: a pressão familiar lhe cobrando igual progresso ao do passado, o ambiente escolar lhe exigindo adequação a um modelo incompatível com sua identidade e a preocupação com o futuro, incerto a todos, decerto detonaram a assustadora condição.
No entanto, lembro que ainda sofria das perdas mal digeridas e arrastava memórias dolorosas de um passado recente. Decerto que também estes fatores potencializaram a fase de dúvidas e inseguranças da adolescência. Por si só, fase conturbada de profunda transformação física e emocional, abri brechas por onde a ameaçadora ansiedade finalmente virou realidade em nossas vidas.
Não contesto tampouco duvido de estudos sobre adolescente ansioso; só resisto a discutir o tema sob olhar simplista que me impede de lançar luz mais ampla sobre meu papel neste triste cenário de filho adolescente ansioso. Talvez privados da prática cotidiana de efetivamente criar adolescente ansioso, especialistas parecem ignorar detalhe importante: pais também estão tendo que aprender a nova dinâmica do mundo de hoje o que também nos causa ansiedade.
Adolescente ansioso, filho de pais ansiosos
Conheço não uma mas muitas famílias que vivem a realidade – comum – de filho adolescente ansioso. Apesar de popular, o tema é superficialmente tratado como algo externo à família. Pais ocupados em apontar culpados, apressadamente elegem fatores de fora como os vilões. Distraídos – ou temerosos – se eximem, antes, da autocrítica capaz de senão desvendar a raiz do problema, minimizar danos e ampliar a chance de vencer o problema eficazmente.
Amparados em vilões indomáveis (o “mundo”, o “outro”), terceirizamos responsáveis pelo adolescente ansioso e, em ato contínuo – e reparador – o encaminhamos a especialistas na expectativa de obter deles respostas e resultados que somos incapazes de – e responsáveis por – alcançar.
Desatentos – até preguiçosos – nos mantemos apartados do adolescente ansioso como se este fosse resultado natural do (famigerado) mundo de hoje. Inertes, assistimos inaptos filho adolescente gritar – como a toda geração – por amparo e segurança mas hoje, pais ansiosos somos incompetentes de lhe proporcionar a esperada estabilidade emocional.
A nutrição de adolescente ansioso
– Ela é ótima garota mesmo mas… é muito ansiosa! Nem eu aguento. – respondeu a amiga ao receber meu elogio à sua filha.
Jovem encantadora, alegre, sorridente, falante, inteligente, criativa. Conversamos em diferentes ocasiões e logo descobrimos afinidades: gostos, passeios, esportes. A aproximação evoluiu e logo passamos a conversar sobre temas mais profundos da vida pessoal.
Jovem acelerada, verdade. Tomada por opiniões apaixonadas – típicas da idade – defendia seu ponto de vista com ardor discorrendo em quente argumentação e desenfreada tagarelice. Não demorou muito e os temas ficaram mais sérios: conflitos com os pais, punições de professores e – como não – vestibular. Aaah, a difícil escolha de uma profissão! Tudo contribuía para encaixa-la no rol de adolescente ansioso amplamente divulgado.
– Tia, ainda não decidi que faculdade fazer… tô tão ansiosa com isso…
– Natural… acontece com todos… – e dividi minha experiência quando da escolha de uma faculdade que, aliás, foi um martírio na época.
– Não tia. Até sei mais ou menos entre quais estou, mas… meus pais… talvez se mudem para o interior. Nada certo mas avisaram: se quiser ficar, vou ter que me virar sozinha: arranjar, inclusive, emprego pra me sustentar. Por isso tô ainda mais ansiosa: além de ter de passar para uma pública pra não ter que pagar faculdade, vou ter que me bancar logo de cara. Um saco ainda ter que escutar que sou ansiosa. Pô, como não ficar?
Sem dúvida: a fase, o mundo e as circunstâncias estão mais complexas hoje. Mas, para complicar, pais ansiosos – e inconscientes de sua vital importância como apoio emocional – complicam ainda mais o contexto desafiador de filho adolescente.
Pais e filhos ansiosos
Infelizmente, este não é um caso isolado. Outros corroboram com uma dinâmica de troca nada saudável entre pais e filho adolescente ansioso. Como a mãe, mimada e emocionalmente frágil, que derrama sobre o filho adolescente suas angústias de não saber como formar outro ser livre de suas próprias debilidades; especialmente no mundo atual:
– Se formou mas não quer trabalhar na área. Já falei pra ele: dê aula de judô! Além de curtir, é reconhecido no meio, já é monitor; mas não quer. Paguei um monte de curso preparatório pra concurso público; não passa em nenhum. Encorajei a um emprego em loja até “se encontrar”; mas também não quis. Não sei mais o que fazer! Tô desesperada!
A mãe, profissional aposentada, privilegiou tanto sua autonomia que, sem notar, caiu em individualismo exacerbado. Ocupada em se satisfazer a todo custo, não poupou esforços para alcançar tudo o que queria. Acostumada a viver por si mesma, a maternidade parecia não lhe ter dado a real dimensão do que é formar outro adulto – saudável – para o mundo e acabou por criar adulto à sua imagem e semelhança: egocêntrico adolescente ansioso.
Enquanto pode, pagou pelo que precisava – ainda que não lhe fosse conviesse. Infantilizada, ensinou ao filho que querer-é-poder. Espelho de si mesma, formou ser inseguro, vulnerável e perdido. Em suas piores crises, joga para o mundo suas frustrações de mãe. Em vez de encarar as falhas de uma formação capenga e trabalhar para corrigi-las, se ressente repetindo:
– O mundo de hoje tá muito difícil.
Pais de adolescente ansioso
De fato, o mundo atual – acelerado, dinâmico e ágil – adicionou mazelas inusitadas à humanidade: a ansiedade uma delas. Mas não só a adolescentes: a adultos também. Pais sofrem do mesmo e, por diferentes razões, se veem desprovidos de recursos para viver este mundo tão diferente do passado e, então, esperam: sejam respostas prontas para problemas novos… ou não tão novos assim.
Não enxergam que também nós, pais de adolescente, precisamos mudar. Incompetentes de viver a atualidade transformada, abrimos brechas agravantes para os naturais e até esperados “sintomas” adolescentes. Despudoradamente contribuímos com a formação de adolescente ansioso em um mundo naturalmente acelerado.
Temerosos de desbravar o desconhecido – ou lentos em faze-lo – pegamos atalhos para justificar toda uma geração de adolescente ansioso. Autocentrados, nos valemos de práticas passadas para caminhar em trilhas ainda não desvendadas. Enfim, nos eximimos da ineficiente educação aos dias de hoje e simplesmente seguimos… sem direção.
Mergulhados em maus resultados, nos angustiamos e, condenando o incontrolável, não preparamos filho para a vida presente. Em vez disso, elegemos “vilões” e nos eximimos da responsabilidade de formar – e ser – adulto para o hoje e para o futuro.
Cegos e acomodados, promovemos o desserviço de criar adolescente ansioso a partir de um pobre e fraco empenho de pais incompetentes ao mundo de hoje. Atados a um passado inexistente, insistimos em não só criticar mas também condenar o novo presente.
Filho adolescente é semente germinada
Adolescente ansioso é tema amplamente discutido entre leigos assustados e estudiosos empenhados em compreender as causas e, assim, tratar a doença. Todos, contudo, apressados em resolver o problema, caímos na cilada de repetir discursos nem sempre coerentes com a pratica de quem efetivamente vive a situação de perto com o jovem.
Talvez por isso, respostas – e vilões – sejam tão facilmente aceitos: porque nos aliviam do pesaroso dever de nos avaliar como pais formadores deste mesmo adolescente ansioso. Enquanto nos negarmos a enxergar sob uma perspectiva diferente da habitual para tratar os males atuais, continuaremos estragando toda uma geração de adolescentes que, como semente em terreno fértil, se perde nas mãos de agricultor incompetente e negligente.
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