O que semeio cresce
Diferente do que um dia assumi como premissa, filho adolescente escuta o que falo. Mais do que isso: filho absorve e digere até enraizar no coração o que apreende. Despertar para esta realidade foi custoso. Por um lado, dissipou a mágoa de me sentir desconsiderada por filho. Por outro, revelou o óbvio: o que falo a filho adolescente fica, cresce e determina a safra por mim cultivada.
Quando descobri ser toda interação com filho adolescente ocasião de moldar sua personalidade, mudei o jeito de me relacionar com ele. As palavras usadas à revelia e o modo como lhe falava tornavam nossa relação uma ameaça à boa safra que perseguia. De repente, potenciais bons frutos viravam safra perdida.
Mãe agricultora
Nunca havia me enxergado mãe agricultora. Hoje me entendo semeadora portanto, impossível me dissociar da ideia de que minhas palavras são sementes lançadas em terreno fértil onde tudo, absolutamente tudo, cresce; inclusive ervas daninhas.
Assim, semear é ação diariamente praticada no cotidiano de pais de adolescente. Conscientes ou não, atitude séria que demanda cultivo responsável e comprometido com a geração de bons frutos mesmo quando tudo parece perdido.
Mãe agricultora sei que do que lanço desenvolvo – ou não – filho adolescente. Neste terreno virgem e fértil a qualquer- plantio, a terra é fecunda mas continua dependendo de semeadores competentes para fazer-se multiplicar frutos bons e saudáveis para o mundo.
O diálogo corrosivo entre mãe e filho
Pensava não ser escutada por filho adolescente. Às vezes cheguei até a duvidar de sua capacidade auditiva. Também já me ressenti por entender nossa desgastada relação como parte do desdém a tudo o que lhe dizia:
– Saco, mãe! Nada a ver o que você tá falando… – e então filho me deixava a ver navios.
Depois de várias tentativas frustradas de diálogo assumi que filho desconsiderava minha opinião e conselhos. Realmente acreditei que pouco se importava comigo: tudo lhe soava ou irrelevante ou exagerado. Passei então a falar menos… e a lamuriar mais:
– Já te disse miiil vezes: não é assim! Se pelo menos me escutasse! Mas não: tudo o que falo é besteira! Você é teimoso, isso sim! Por isso não falo mais nada com você!
A princípio todos diziam ser assim mesmo – “filho não escuta pais” – como um consolo ou um convite à resignação. Cheguei mesmo a enxergar desta forma. Porém, a repetida dinâmica de mãe cansada de ser ignorada por filho adolescente ganhou nuances cada vez mais perigosas a ponto de se deteriorar por palavras mal ditas. Corroída por uma comunicação habitualmente perniciosa, ambos passamos a nos desconsiderar mutuamente.
O mau cultivo de mães de adolescente
Frustrada – e ofendida – de me sentir desconsiderada por filho adolescente, desanimei de tentar fazer-me escutar. Então de cansada me tornei cansativa: virei mãe rabugenta e desrespeitosa com meu adolescente imaturo e inexperiente na arte de se comunicar. Pouco a pouco personifiquei exatamente a enfadonha mãe que não desejava ser.
Enquanto agricultora incompetente, o terreno originalmente fértil crescia tomado de ervas daninhas. Nutrido com palavras intempestivas e precipitadas, de clichês e frases feitas , a safra era de maus frutos:
– Não adianta: o que falo com filho adolescente não conta! – reclamava com outras mães igualmente frustradas com a dinâmica chancelada como “normal”.
Assim nos consolávamos… e também estagnávamos na situação. Incompetentes e inconscientes da paralisia, perpetuávamos os pífios resultados. Desconhecendo a fase – e os filhos – repetíamos erros do passado e seguíamos com o – mau – cultivo inalterado.
Entre respostas incompletas e irritadiças não entendíamos o terreno. Ainda cegas pelo orgulho ferido de um desprezo mal interpretado, nutríamos o ciclo vicioso de lançar más sementes e adubar uma relação fadada ao fracasso… de ambos os lados.
A boca fala do que o coração está cheio
Mais ocupada em impor do que semear respeito com filho adolescente, lançava – e cultivava – sementes ruins em campo aberto. Displicente e impulsiva, desapercebidamente não enxergava as ameaças à colheita:
– Ah, filho, assim não dá! Fala sério… cê não fez isso! Parece pateta! – esbravejei naquele dia de jogatina em família.
Nem os olhares fortuitamente trocados e bochichos murmurados ao redor da mesa me alertaram sobre o infeliz comentário. Já não media palavras com filho adolescente tampouco escolhia como me comunicar: simplesmente falava o que vinha à mente.
– Pra quê cuidar das palavras se ele não me escuta mesmo? – murmurava comigo … e com todos.
Como esta, outras notas soltas ao vento constrangiam e intimidavam filho. Às reprimendas públicas, respondia ser meu “jeito de falar”, álibi francamente usado como justificativa ao meu ressentimento com filho. Assim crescia a irrelevância mútua e a distância entre mãe e filho, vítimas perfeitas ao terreno minado em que se encontravam.
Quando o que mãe fala corrói
Sementes jogadas ao léu: assim eram as palavras lançadas por mim naquele tempo. Absorvidas por filho adolescente germinavam mas não vingavam bons frutos. Entre bufadas e viradas de olho, filho tentava sinalizar as más investidas mas eram mal interpretadas.
De ambos os lados, a comunicação truncava até certo dia simplesmente desaparecer. Passei a notar certa resignação quase desistência de filho aos conhecidos embates. Em vez de caras e bocas, o silêncio do humilhado que, finalmente rendido, se entregava ao destino; fosse ele qual fosse.
Quando o que falo a filho adolescente cresce
Mãe de adolescente cansada e cansativa seguia assim semeando mal até novo alerta soar desta vez, mais contundente e inquietante:
– Saco, me elegeram representante da turma. – contou filho.
– Uau! Olha… – reagi sem saber o que pensar e dizer ainda intrigada com o mérito que o levara a tal reconhecimento.
– Como vou ser representante de turma? Sou um pateta! Nem gosto nem sei falar direito! Como vou representar uma turma?!
De confusa passei a assustada:
– Que que cê tá falando? Pateta por quê? Quem te disse isso? – perguntei lembrando aquela noite de jogo em família.
De repente o óbvio: o que falo a filho adolescente fica e cria raízes profundas desde cedo. E, naquele dia, o tufo destoante enfim saltou aos olhos. Cheguei mais perto e então vi: o fruto não era bom. Crescia frágil rodeado de ervas daninhas representadas pelas palavras mal ditas.
O que falo a filho adolescente
As más interpretações do que ambos falávamos um ao outro moldavam nosso “jeito de ser”. Não somente apartados mas também ressentidos pelas truncadas mensagens trocadas em diálogos frustrados – e frustrantes – nutríamos relação improdutiva.
Palavras precipitadas são sementes ruins em terreno bom mas necessitado de agricultor competente para torná-lo frutífero. Portanto, a semente e o modo como a lanço determinam o fruto a ser colhido no futuro. De olhos finalmente limpos e abertos compreendi: filho adolescente escuta, apreende e interpreta o que digo.
Ainda que pouco munido de recursos para tamanho esforço, tudo cresce nele e exatamente aí reside o perigo da má safra: o que falo a filho adolescente tem poder de transformar – para o bem ou para o mal – tudo… e todos.
“Pois o silêncio não tem fisionomia mas as palavras, muitas faces.” (M. de Assis)
Naquele dia, a visita abordou filho adolescente perguntando da namorada e logo me apressei em responder:
– Aah, ele tem vergonha de falar… é tímido. Além disso…
Surpreendentemente interrompida, filho tomou a dianteira explicando:
– Não é isso, não – iniciou fitando meus olhos e, depois, se voltando à curiosa:
– Antes de mais nada: não sou tímido. Só não gosto nem quero falar sobre isso… cê entende né, tia? – demarcou tentando certa doçura.
Assaltada pela atitude, me calei. A revelação de filho adolescente que argumenta e se posiciona enfim selou o que já vinha observando: o que falo a filho adolescente fica, germina e molda sua personalidade.
Pais agricultores competentes
Hoje enfim reconheço a ameaça das palavras desgovernadas: são ervas daninhas capazes de nos convencer por meio de clichês e rótulos pejorativos que filhos não escutam pais. Na verdade, somos todos solo fértil: tudo absorvemos e guardamos. Não controlo este crescimento mas tenho o poder – e o dever – de ser boa agricultora neste terreno fértil onde tudo dá.
Invisível aos olhos, o que falo a filho adolescente enraíza no coração: ou floresce e dá frutos ou logo morre. Em um mundo já tão tomado de ervas daninhas, quero ser e fazer a diferença dando bons frutos ainda que muitos ainda insistam em dizer repetidamente o contrário.
Leituras sugeridas: A hora certa de parar de falar, Mensagens de amor a filho adolescente, Que frutos estamos dando ao mundo?
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[…] A acomodada passividade de delegar a filho indevida responsabilidade de desbravar – quiçá tarde e sabe-se lá como – o árduo caminho da espiritualidade é negligenciar a formação completa de ser a nós confiado. Terreno não semeado, não frutifica. […]
[…] Ao experimentar frases de amor em situações triviais do cotidiano com filho adolescente, revi o poder das palavras na minha relação com ele. Tanto quanto ações e atitudes, o que, como e quando falo reverbera no filho como semente plantada sobre terreno onde tudo dá. […]
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