mãe do adolescente

Família perfeita: ser mãe de adolescente desafia este roteiro

by Xila Damian

O filme da família perfeita

Desde cedo, o sonho da maternidade me foi alimentado como condição natural e inexorável de ser feliz em um meu filme de vida perfeita. Não sabia, no entanto, que o desejo de ter filho e de formar a família “perfeita” se tornaria, quando mãe de adolescente, experiência de uma vida real cheia de imperfeições.

Paguei o ingresso para um filme de família perfeita a partir de um modelo ideal e romântico de mãe educadora e carinhosa, mulher forte e determinada e esposa parceira e amorosa.  À medida em que crescia, observava e idealizava a minha vez de construir a família tão sonhada:

– Com certeza: quero concretizar este roteiro – pensava comigo. – e, enfim, viverei o famoso “felizes para sempre”.

O começo do filme

Então adulta, encontrei minha “cara-metade”; era o começo do projeto que, enfim, começava a acontecer de verdade.  Veio o casamento e, depois, o primeiro filho. Tudo seguia o roteiro esperado e ideal. O filme certamente seguia para o sucesso.

O bebê crescia e se desenvolvia proporcionalmente à felicidade familiar. Como uma esponjinha, filho absorvia absolutamente tudo que lhe era apresentado com enorme interesse e curiosidade. O progresso do filme familiar era admirável: a cada novidade, o reconhecimento de que trilhava o caminho certo.

Encantava-me a capacidade de aprendizado do filho; fascinava-me sua inesgotável disposição de conhecer o mundo aberto bem diante dele. O filme da família perfeita era real.  De fato, existia e, para mim, já estava pronto.  

Assim, feliz e realizada, vivi os primeiros anos da maternidade quando bastava atender as necessidades daquele ser cativante e totalmente dependente para sentir-me competente e satisfeita na função de mãe.  Não sabia que o filme, na verdade, estava só… começando.

A fase de transição da família perfeita 

Blockbusters costumam lançar continuações às suas histórias; o meu, também, mas sem planejamento. Surpreendida por uma continuidade não pensada, me deparei com a adolescência despreparada para as mudanças de roteiro.

O bebê doce, esperto, amoroso, alegre e dependente cresceu e mudou… drasticamente. Surpreendida pela fase, descobri que o filme idealizado tomava novos – e assustadores – rumos os quais não só não dominava como desconhecia.

Senti-me, então, perdida. O novo roteiro, agora imposto, parecia-me impossível de ser implementado. O ator, até então encantador coadjuvante que conhecia como a palma de minha mão, mudara de tal forma que a felicidade de outrora virou angústia e insegurança. 

Família perfeita questionada

Gostos e interesses, atitudes e comportamento: tudo virou pelo avesso. Filho passou a ter opinião e vontade próprias; a escolher e fazer sozinho; a preferir a solidão e ter “seu espaço”; a disputar a última palavra, a ser o dono da razão, a criticar. Inesperadamente, um novo ser a desvendar surgia.

De “diretora” do filme passei a dividir as cenas com filho temendo perder controle sobre minha obra. A princípio dona do roteiro, passei a ser submetida a contestações e enfrentamentos; a ser julgada por opiniões e criticada pelas decisões tomadas. Gradativamente, passei a viver papel de vítima de minha própria obra originalmente romântica.

Subitamente, o previsto roteiro de família perfeita começou a sofrer revezes. Tornar-me mãe de adolescente definitivamente pôs em xeque a continuidade daquele filme de sucesso. Seria mesmo possível crer em uma história como aquela? 

O papel de mãe de adolescente é diferente

Vivi o enorme desafio de me manter conectada a filho então adolescente. Mudara tanto e tão rapidamente que foi difícil até mesmo (re)conhece-lo.  Às vezes angustiava-me pensar ter se tornado outra pessoa, bem diferente daquele filho um dia “encantador”.

De posse do novo roteiro do que hoje reconheço como vida real, aprendi a dividir a cena, a dar a deixa, a conhecer o outro que surgia, a conviver com o diferente que despontava. Depois de muitos erros cometidos – na maioria das vezes por má comunicação ou próximo disso – vi quão despreparada e inexperiente era para conduzir a nova “temporada” daquele filme de família inesperadamente imperfeita.

Os diálogos passaram a ser pobres e as respostas de filho, miseravelmente monossilábicas:

– Como foi a escola hoje, filho?

– Chata…

Mimos de mãe, impiedosamente desdenhados:

– Fiz aquele prato que você adora! – anunciava animada.

– Quem disse que gosto disso, mãe? – respondia sem cerimônia.

O filme da família perfeita ameaçado

Então aumentaram as rusgas, os grunhidos, as viradas de olho, as bufadas.  Lembro quando comecei a me preocupar; depois a me ressentir e me irritar – não necessariamente nesta ordem – com sua reatividade a tudo. Filho enfim adolescente já não me pedia opinião nem me consultava para nada. Parecia simplesmente me ignorar.

Até o dia em que senti ter realmente perdido a conexão com ele:

– Vamos ao cinema assistir aquele filme que você ama? – convidei certa de receber um “sim” em resposta.

– Mãããe, aquele filme é de criança, né?! – respondeu irritado.

Ou quando entrei em seu quarto sugerindo um passeio com o pet disfarçando a intenção de tira-lo do ostracismo e da solidão de seu quarto:

Filho, leve o Zac pra passear… ele, com certeza, tá sentindo sua falta...

– Pô, mãe!  Dá pra bater na porta antes de entrar? Que saco! –  esbravejou – … e não, não quero sair. Tô ocupado aqui. – completou rispidamente.

A “alergia” a pais começara e eu sequer entendia do tema.  Parecia bastar minha presença para irrita-lo. Suas grosserias nutriam minha autocomiseração que, depois, deixavam mágoa. Tudo passou a me atingir como ataque pessoal. O filme perfeito, definitivamente, mudara de categoria e, a meu ver, estava fadado ao insucesso.

O roteiro revisitado

Quis mudar esta história.  Para isso, investi em conhecimento sobre a fase. Como atores dedicados, fiz meu laboratório de mãe de adolescente estudando filho e aprendendo sobre seus interesses, linguagem, estilo de vida e jeito de ser.

A começar pelo que julgava ser causa de nosso mau relacionamento:  a internet e tudo o que gira em torno dela, especialmente games, a maior razão de nossas desavenças.  Totalmente avessa ao mundo virtual que acreditava ter roubado meu filho de mim, entrei humildemente em seu mundo digital disposta a, de fato, conhecê-lo e entendê-lo sem pré julgamentos.

Conheci seus amigos virtuais de diferentes partes do mundo – a tal globalização;  também jogos e suas dinâmicas. Aprendi a inovadora forma dos campeonatos de e-sports que sequer ouvira falar e dos quais filho não só jogava como já fazia parte de uma equipe oficial. Apresentei aos seus colegas e, a partir de então, passei a não só assistir as partidas como me tornei fã incondicional do time. 

Muito mais aconteceu e hoje, fã e apoiadora de filho atleta virtual profissional,  sou outra também. A vida me apresentou inesperado novo roteiro mas, passado o medo e o susto, me dispus a desvenda-lo e a encarar o desafio de continuar o filme de sucesso iniciado. 

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A obra perfeita da família imperfeita

Abrir a mente – e o coração – para o mundo desconhecido do meu adolescente me deu a chance de compreender e participar de sua vida de perto; enxerga-lo de uma lente diferente me permitiu vislumbrar novos caminhos de aperfeiçoamento pessoal e familiar; a sobretudo, manter-me conectada com ele para seguir realizando novos roteiros atualizados pelo mundo de hoje.

Inevitavelmente, o filme inicial e idealizado ganhou novos atores, novo cenário, nova direção. O filme diariamente reconfigurado com novas exigências me ensina que formar família perfeita pode até ter começo mas nunca, fim.

Graças a esta e muitas outras idealizações desconstruídas, minhas chances de torna-lo melhor do que a versão inicial aumentam. Renovadas, finalmente, entendo: família é obra imperfeita que se aprimora a cada dia. Continuamente. Para sempre.

Leituras sugeridas:  Relacionamento entre pais, filhos e tecnologia, Sobre games, adolescentes e superação

2 Comments

  • Lisandra 17 de maio de 2018 at 12:17

    Obrigada por este texto. Encontrei-me nele em quase todas as palavras. Estou na fase “Quem é você? Cadê meu bebê?”, tentando encontrar a porta que vai me conectar de volta à minha menina.

  • Adriana Fabrício 15 de abril de 2018 at 10:00

    Concordo com você. É muito bom saber que uma mãe”acerta” em aceitar o “erro de ser uma mãe perfeita” e abraça a causa do seu filho adolescente. Quando era adolescente não questionava a minha mãe, mesmo sabendo de seus exageros RS. Já a minha irmã tinha um comportamento parecido com o de seu filho: crítico e ácido mas, na maioria das vezes, era tranquila. Mamãe fez exatamente consigo o que você faz com o seu filho. Passou a sair conosco em festas, shows e vimos o quanto ela era “ser humano” com defeitos, erros e acertos. cresci, casei e tenho uma filha que é uma benção de Deus para a minha vida em todos os sentidos. Sou mãe de adolescente hoje, entrei em seu “mundo” agora, recebo as críticas também, muito ácidas e magoam mesmo, eles querem saber como nos comportamos quando somos contrariados, porque fazemos isso com eles desde que nascem. Porém, a vida é divertida com ela porque aprendi a ser simples, resgatei a minha adolescência, conto as minha experiências para ela (e para os amigos também, rs) virei “amiga”. Isso é importante porque ela sabe que tem uma mãe, mas quando precisar, tem uma amiga mais velha. Dou a minha cara a tapa, é a aninha opinião, mas devemos ensinar a criança no caminho em que se deve andar, quando envelhecer, não se desviará dele. Caminhos cheios de intempéries, mas ricos de amor e felicidade. Obrigada por abrir uma chance de compartilhar minha opinião com você e com todos.

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