A inevitável síndrome do ninho vazio
Pensava que a síndrome do ninho vazio ainda estivesse longe de chegar. Mais e, principalmente: que não seria presa fácil deste angustiante sentimento. Cercada de notícias sobre a dita “geração canguru” que adia sua independência permanecendo como que eternamente na casa dos pais, me sentia protegida da melancólica ideia de perda de filho que sai de casa para viver por conta própria.
Enganei-me, porém. Surpreendida pelos planos de filho de sair de casa fui não só repentinamente tomada de angústia como de sofrimento por antecipação à nova realidade que se configurava. Enxergar-me segura o bastante para o natural desapego que alguma hora chegaria mas o fato muda tudo.
Diferente do perfil do adolescente “de hoje” amplamente divulgado por especialistas, meu filho adolescente quis – e planejou – alçar voo solo. A novidade – que, na verdade deveria ser compreendida com naturalidade e alegria – virou inesperada dor. Eis que, sim, a tal síndrome do ninho vazio chegara e eu fui ingenuamente presa fácil.
A visão antecipada da síndrome do ninho vazio
Estava sempre atribulada. Correndo de um lado a outro, dividida entre afazeres domésticos e profissionais, equilibrando família e trabalho e acompanhando crescimento de filho e de metas corporativas. Com um olho no peixe outro no gato, me habituei ao ritmo frenético dos tempos atuais atenta a diferentes situações ao mesmo tempo.
A carreira se consolidou, a família cresceu, mudou e, no meio de tantos acontecimentos, filho cresceu. Suas asas, então escondidas, começaram a dar sinais de existência e suas primeiras investidas de voo. Gradualmente crescidas, aos meus olhos de mãe, foram se tornando ameaças: filho em expansão quer, finalmente, voar sozinho.
O tempo pareceu ter passado rápido demais. A lente então realista e atualizada me exigiu atenção para perceber grande mudança prestes a ocorrer: filho adolescente já batia asas e, se quisesse participar deste importante passo, precisava me preparar antecipadamente para não sair vítima da síndrome do ninho vazio.
O preço de formar filho para o mundo
O medo de formar filho dependente, superprotegido e temeroso do mundo sumiu logo depois de sua maioridade. Ávido por viver novas experiências e exercitar a autonomia encorajada, meu adolescente decidiu sair de casa para concretizar o plano de ser atleta virtual.
Por desinformação e desinteresse sobre seu mundo virtual, o rotulara até então jogador viciado. Mal sabia, no entanto, que se empenhava em perseguir e se destacar no ousado sonho de se profissionalizar como tal. Focado e decidido, cresceu e o plano traçado se concretizou… e deu certo.
Diante do fato, não tive argumentos: precisei me atualizar. Do contrário, aí sim perderia filho. Desprovida de rótulos e opiniões pejorativas, descobri jovens diferentes do passado escrevendo nova história agora digital. Enquanto aprendia sobre o mundo do adolescente de hoje, ampliava minha visão sobre o mundo atual de todos nós.
A relação com filho adolescente ganhou novos contornos. Mais que possível, se tornou edificante para ambos. Talvez esta tenha sido a chave de meu sofrimento: antes mesmo de o voo solo de filho se consumar, sofri a síndrome do ninho vazio por pensar que o perderia por vê-lo… voar.
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A lente sobre filho muda
Passar o bastão da vida a filho adolescente é exercício duro, sofrido mas necessário. Demanda desapego de mãe, habilidade difícil mas fundamental ao desenvolvimento de filho e também de pais. Com dezoito, o escutava reclamar de minhas intervenções. Desconhecia a dor que sentia ao permitir seu voo solo:
– Saco, mãe! Acabei a escola e finalmente me sinto livre pra buscar o que sempre quis. Quero viver isso! Vai ser uma experiência bacana viver sozinho por minha conta, fazendo o que há anos planejava. Chegou a hora e tô me empenhando pra dar certo. Você vai ver: vai dar certo, tenho chance de viver o que sonhei!
Tamanho desejo e confiança no futuro me convenceram a apoia-lo. Restava-me torcer para tudo dar certo como esperado. De coração apertado, então lancei minha derradeira carência:
– Não sentirá minha falta?
– No começo, é provável que não.. – e gargalhou sem notar (ou fingindo não notar) a carência contida na pergunta – tô tão a fim de viver isso que não pensei nisso. Vai ser bom pra mim, mãe!
Digeri sua autoconfiança na esperança de torna-la motivo de orgulho. Quando se vive a síndrome do ninho vazio, a lente sobre filho adolescente muda. Precisa mudar. Nem que seja na marra.
Angústia de mãe não acaba nunca
A síndrome do ninho vazio é mais uma das inúmeras experiências angustiantes vividas por mãe de adolescente. A inquietação de ver o quarto vazio e permanentemente arrumado, a cozinha limpa e organizada, a geladeira preenchida com opções saudáveis, a casa silenciosa mexeram comigo.
Ver filho partir é só mais uma etapa a ser vivida e vencida por pais. Aflige o coração mas precisa ser enxergada com a lente certa, ou seja, de crescimento e descobertas necessárias… a toda família.
O bater de asas é prenúncio dos desafios por vir mas não se atenha à inevitável angústia: deixe-a ir também e, depois, de coração apertando, encoraje filho a seguir seu caminho. Que ele voe, ouse, realize!
O ninho vai ficar vazio como devido. Portanto, vá filho! Daqui, do ninho vazio de onde partiu, continuarei te observando e torcendo para que seu voo contribua com um mundo melhor. Definitivamente, angústia de mãe não acaba; se renova.
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[…] seguia seu curso. A adolescência chegou e o enredo mudou. Mudanças visíveis e invisíveis despertaram saudade de filho que parecia ser outro. Apegada à criança de outrora, passei a lamentar o filho naturalmente transformado pelo tempo […]
[…] Não tenho mais tempo contigo… mal nos vemos. Nem na quarentena nos socializamos. Você vive agora no quarto e com tantos compromissos acumulados pela quarentena nosso convívio […]
[…] a fim de superar as séries difíceis com destreza e desfrutar as fáceis com gratidão. Esta hora, longe de filho adolescente é, mais uma daquelas em que, antes de tudo, tenho de me provar em meio ao […]