Longe de filho adolescente na quarentena

by Xila Damian

Juntos somos mais fortes

Longe de filho adolescente na quarentena, conto os dias para recebe-lo de volta em casa.  O início do período seguido com o fechamento de entradas interestaduais nos surpreendeu (também) e nos forçou a um exercício de calma e sensatez.  Do contrário, “afogaríamos” em meio à série de ondas que estava por vir.

Assim, domei a iminente ansiedade; ele, também.  Ambos, experimentando a impotência, trabalhávamos resiliência para suportar o período adverso longe um do outro. Não deixa de ser um aprendizado, mas… em situação crítica, o medo se instaura; então, aprender é a ultima coisa que passa pela cabeça.  Em vez disso, sair da aterrorizante experiência, como a quarentena longe de filho por ameaça do novo coronavírus, se torna prioridade… de toda família.

Este período me lembra outro de nossas vidas.  Ainda que diferente, também nos colocou à prova diante de uma série complicada de ondas grandes e fortes. Mais vertiginosa mas também crítica, a vivemos juntos e isso nos tornou mais fortes. Assim entendo – e concordo – com o ministro quando diz  “juntos somos mais fortes“.  A frase de efeito soa clichê mas o bordão se prova a quem viveu a prática.

Longe de filho sou mais fraca

A ausência do meu primogênito comigo começou a me consumir mais do que o temor pela doença.  A proibição de transitar entre estados forçosamente nos separou fisicamente.  Decerto que a tecnologia ajuda – e prova – seu valor de aliada.  Porém, a mim, nem precisava: já a reconhecia como tal há bastante tempo mesmo quando nem estava tão longe de filho.

Independente disso e da facilidade proporcionada pelos recursos tecnológicos, a apreensão é grande para todos. Para muitos, é até bem mais que isso: é pânico, sofrimento “na veia” mesmo. O temor do desconhecido, invisível e imprevisível consome a energia de cada um de diferentes formas.  A cada dia, nos vemos forçados a não só nos mantermos socialmente reclusos mas a renovar nossa capacidade de enxergar além dos fatos para nos fortalecer em família.

Portanto estar junto dos seus – não importa a circunstância – é um alento tranquilizador.  O contrário, contudo, potencializa o medo preocupante.  Assim me sinto hoje longe de filho adolescente: fraca de não estarmos juntos nesta mais nova serie de ondas promovida pela vida.

Hora de me provar em meio ao caos

A vida é um constante e perene sucessão de ondas intercaladas com séries difíceis e outras nem tanto; às vezes tão estranhamente calmas que estranhamos. A todo tempo, contudo, somos provados.  Eis por isso que creio ser este o ritmo natural da vida: marcado por ondas.

Assim, a cada experiência de ondas grandes e fortes – claramente maiores e mais fortes a cada série – me coloco alerta: abro os olhos na tentativa de enxergar além dos fatos; nutro – ainda mais – a mente com o que me fortalece espiritualmente; me mantenho sóbria para agir na hora e forma certas.

Como o mar, as diferentes ondas e correntezas me impõe intima leitura e sábio entendimento sobre a vida a fim de superar as séries difíceis com destreza e desfrutar as fáceis com gratidão. Esta hora, longe de filho adolescente é, mais uma daquelas em que, antes de tudo, tenho de me provar em meio ao caos.

Oásis no meio do deserto

Mais uma semana de quarentena longe de filho. De, mais uma vez, “encontra-lo” por vídeo. De escutar mais uma mensagem de parentes cobrando seu dia de retorno ao lar.  Mais um dia de provar equilíbrio para esperar a hora certa de traze-lo de volta ao seu lugar, ou seja, em casa.

– Oi, filho!  Como está tudo por aí?

– Oi, mãe, um saco mas… de boa.  O campeonato (virtual) acaba esta semana.  Estou liberado daqui a uma semana pra ir para casa.  Mas… como vou fazer pra ir pra casa se tá tudo fechado?

A boa notícia trouxe junto novo desafio. A falta de opção, pelo menos de imediato, me fez abrir um tímido sorriso enquanto a mente já trabalhava em saídas. Ainda assim, tentando mante-lo confiante em uma solução factível em tempos de quarentena do novo coronavírus, respondi:

– Que bom, filho!  A gente vai dar um jeito.  Fica tranquilo que vamos achar um meio de te trazer de volta pra casa.

Seu sorriso, agora solto e aliviado pelo consolo materno, desanuviou o semblante inicial de preocupação.  A frase encorajadora soou como um oásis no meio do deserto – para ambos – a ponto de renovar o fôlego – de ambos – para a “onda” seguinte à boa noticia de finalmente poder retornar à família.

Vamos dar um jeito

Por um instante, congelei diante de seu rosto na tela: “ele cresceu, o rosto mudou...” – pensei comigo.  Em um lapso de tempo, lembrei-me de quando no mar, furávamos ondas juntos e, segurando sua mãozinha fortemente, emergíamos delas gargalhando com o feito corajoso de mãe e filho.

À medida que filho cresce, as ondas da vida não me permitem mais dar-lhe as mãos como antes.  Longe de filho, o desafio de fura-las parece ficar mais difícil e aterrorizante à mãe protetora e confiante de outrora que, agora, assiste o feito apartada dele.

Notar o protagonismo de filho adolescente em suas próprias ondas me aflige.  “Meu papel mudou”, afinal deduzo. Nesta dinâmica de mar aberto, hoje sou coadjuvante que, mesmo de longe, brada palavras de encorajamento a fim de faze-lo lembrar de sua capacidade de fura-las apesar das circunstâncias.

Estamos todos nos provando nesta quarentena.  Em diferentes graus de dificuldade, enfrentamos o problema e a forma com que o enxergamos e nos fortalecemos para supera-lo fará a diferença quando finalmente tudo passar.  Até lá precisamos seguir confiantes: “vamos dar um jeito.”

“Mãe, consegui uma carona com outro atleta. Vamos juntos para casa na próxima semana, ok? Saudades. beijo.” 

Assim meu adolescente, atleta virtual, “sitiado” em outro estado, competindo em meio ao caos do confinamento do novo coronavírus, vai furando suas ondas longe de casa.  A mão segura de mãe agora é substituída por um socorro moral.  Passar a série de ondas grandes e fortes com calma e sensatez é palavra de ordem. Não sucumbir, a meta.

“A vida é mar aberto, filho”, lhe dizia quando ainda pequeno demais para entender o significado da frase.  Hoje, crescido e mudado, filho experimenta as ondas da vida, aprendendo a sair das séries com a destreza necessária para não sucumbir.  Passado tudo isso – e “vai passar, filho” –  estaremos juntos e, com gratidão, emergiremos mais uma vez.

Talvez não gargalhemos como naquela excitante brincadeira em que, entrelaçados ao mar, enfrentávamos as ondas seguros de vence-las mas certamente mais fortes e unidos de mais uma prova vencida na vida de mar aberto. Longe de filho na quarentena, o espero ansiosamente em casa certa de que logo emergiremos de mais esta onda juntos… de novo.

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