Mais do que mãe formadora
“Tornar-se adulto” é tarefa difícil. Só me dei conta disso depois de “desconstruída” por filho que, vivendo sua adolescência, me fez enxergar – e aceitar – minhas falhas como parte deste processo de crescimento que dura a vida toda… para todos.
Mudar minha lente sobre mim mesma foi fundamental para viver uma história diferente da comumente propagada entre pais e filho adolescente em duros conflitos. Enxergando melhor, consegui exercer meu papel de mãe formadora mas, sobretudo, facilitadora e parceira de sua jornada de desenvolvimento.
A lente de filho adolescente
Fui mãe “super-herói” até a adolescência de filho. Desde então, virei uma espécie de vilã cheia de defeitos constantemente apontados quando tomava a frente de situações aparentemente difíceis para filho.
Ocupada em formar adulto autônomo, me dediquei a cobrar de filho atitudes consonantes com minha ideia. O desejo era mútuo mas os meios de concretiza-lo, bem distintos. De repente, minhas intervenções viraram motivo de críticas e desaprovações.
De um lado, minhas expectativas; de outro, sua insegurança de não ser capaz o bastante para corresponde-las. O resultado: reiteradas críticas… a mim. Meu exigente modelo de iniciativas, comunicação e postura diante da vida adulta que iniciava virou fonte de julgamento e condenações às minhas atitudes.
Assim descobriu que adultos não são tão perfeitos assim; nem eu, então ex-mãe-super-herói agora imperfeitamente humana. Sim, a fase mudou e a lente de filho sobre os pais… também.
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A morte da mãe super-herói
Incontáveis vezes meu adolescente reclamou de minhas intervenções em situações de saia justa em que, a meu ver, não sabia como lidar. Recordo algumas em que agi com o objetivo de ajudá-lo mas, em troca, recebi duras repreensões:
– Saco, mãe! Precisava falar com o professor sobre a prova? Nada a ver!
– Pô, mãe, fala sério: você não contou pra minha tia que eu fiquei bravo com ela, né?
– Não, mãe, não creio que pediu a Dani pra me pegar em casa porque não queria ir sozinho de ônibus… brincadeira, hein, mãe!
Até, um dia, revelar mais:
– Me deixa resolver minhas coisas, mãe! Que saco!
A lente de incondicional admirador definitivamente mudara para a de irritadiço crítico em constante reatividade à minha interferência “em suas coisas”. A capa de super-herói de um passado ainda recente estava puída e, a cada dia, me escapava dos ombros.
A luta entre pais e filhos
Aprender a lidar, quiçá, resolver as próprias questões é exercício desafiador para o adolescente. O que aprendeu, observou e apreendeu quando criança se torna prova diária e prática que, apimentada pela ansiedade de pais desejosos de vê-lo “aprovado” – portanto “pronto” – faz dela um suplício contínuo.
Depois de muitas discussões com filho, finalmente entendi a complexa maturação adolescente: suas reações – verdadeiras ladainhas críticas – mostravam mais do que uma “rebeldia comum da fase”: denunciavam sua frustração de não corresponder minhas expectativas do que é ser adulto.
Mudar minha lente sobre filho também me fez enxergar diferente e descobrir o desconforto de um exigente caminho de ingresso ao mundo adulto que, por minhas interferências, dificultavam ainda mais seus iniciais e trôpegos passos.
O combate interno do adolescente
Por esta nova ótica descobri que uma das formas de meu adolescente tentar “passar na prova” foi, primeiro, desconstruir modelos da mãe super-herói expondo suas fragilidades. Ser criticada ‘ao estilo adolescente” – ou seja, de forma mal elaborada e mal expressada – sem melindres e com atenção me ajudou a entender e a mudar junto com ele.
Pelas críticas também me libertei da rota capa de super-herói e assumi minha humanidade desta vez sem personagens. Aceitar-me imperfeita aos olhos de filho ampliou minha visão sobre ser adulto nunca acabado e sempre em exercício de aprimoramento.
A experiência de ser vista pela lente imperfeita de filho adolescente também me transformou e, a partir de então, nossa relação ganhou novos – e melhores – contornos: hoje real – e possível – porque somos adultos que passaram a crescem juntos.
O exercício de cada um
Transformar-se não é fácil; é doloroso, incômodo; exige mudar a nós mesmos e, sabemos, isso não é fácil. Para ninguém. Tornar-se adulto é ter atitude diante da vida e isso é mesmo assustador. Para todos.
Quando finalmente parecemos atingir a meta do que entendemos ser adulto, nossa lente parece se obscurecer até nos crermos acabados e, com visão limitada, repetimos conflitos conhecidos profetizados e, ainda assim, inalterados por gerações. Um ciclo vicioso que se perpetua bem diante dos nossos olhos turvos.
– Ser adulto é ter atitude diante da vida, filho. – lhe dizia tentando fortalecer seu entendimento sobre maturidade que independe da idade para capacita-lo a viver como tal.
Revendo a simplista e quase filosófica frase, tremo na base reconhecendo o árduo exercício de me aprimorar continuamente e ainda permitir filho a fazer o mesmo com autonomia de quem se esforça para alcançar a meta.
A meta maior de ser adulto
A experiência de ser julgada por filho adolescente me levou a desmistificar a ideia do adulto produto final pronto e acabado. De uma lente muitas vezes duramente realista, filho me reprovou como meio de conquistar direito de testar por si mesmo os modelos absorvidos e escolher, ainda que assustado, o mais condizente com o que busca se tornar.
Aceitar-me adulta imperfeita não me tornou mãe pior. Pelo contrário: ampliou minhas possibilidades de viver uma relação com filho adolescente em que a leitura de ambos, então mais limpa, realista e madura, nos faz perseguir meta ainda mais desafiadora: a de sermos adultos melhores a cada dia… apesar de nossas imperfeições.
.Leituras sugeridas: Oba, não sou super herói!, Defender território de filho adolescente, Dialogar com filho adolescente
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