segundo filho

Segundo filho: o que ninguém te contou

by Xila Damian

Filhos diferentes

Ser mãe de dois adolescentes pode assustar mas não a mim. Pelo menos, não mais.  Vivida a experiência da primeira maternidade, segundo filho chegou com a leveza um dia anunciada – e até então desconhecida – para desfazer a ideia de que ser mãe de dois seria difícil.

Sou a sexta de seis filhos: sei como é crescer entre irmãos e quão rico pode ser o aprendizado com os mais velhos. Portanto, outra criança é presente para a família toda: aos pais e também ao(s) irmão(s) sobretudo pela experiência de aprender e crescer com o outro.

Não de se espantar, segundo filho também vem cercado de clichês: é tido como aquele “mais fácil”, “mais independente” e “mais safo” por não ser tão novidade assim aos pais de primeira viagem que creem já saber tudo sobre a função.

Na maioria das vezes, segundo filho é explicitamente admirado por pais embevecidos com sua independência e capacidade de se cuidar sozinho “desde pequeno”, como muitos insistem em dizer e se orgulhar.

Curiosamente esta é a suposta contribuição dada a segundo filho: o enaltecimento de sua autonomia tida como uma habilidade quase nata.  Sem notar, emancipamos segundo filho cegos às suas necessidades individuais (aí sim natas) lhe incutindo maturidade precoce e indesejada.

Sem perceber, paulatinamente vamos impingindo fardo pesado a quem, como o primeiro filho, precisa de pais atentos e cuidadosos ao seu desenvolvimento em tempo e ritmo certos.

Segundo filho independente

Enquadrava filhos adolescentes em padrão de comportamento relacionado mais à fase do que à personalidade e ao grau de maturidade de cada um. Acreditava mesmo que irmãos, filhos de mesmo pai e mãe e sujeitos à mesma educação, a forma de relacionamento seria igual com ambos.

Assim, logo me acomodei ao segundo filho. A experiência com o primeiro decerto me validaria com o segundo. De fato, ajudou mas ressalto: também atrapalhou.  Mãe de um me induziu ao erro de comparar segundo filho desconsiderando seu temperamento, sua personalidade e, principalmente, seu estágio de maturidade.

Mãe no automático, incutia no segundo filho o peso de ser o que não era e de esperar dele comportamento desalinhado à sua capacidade. Lembro quando, por exemplo, cuidadosamente arrumava suas roupinha de natação antes da aula atento aos detalhes para não ficar na mão como no dia em que esqueci seus óculos preferidos por crer que, como o irmão, também não gostava de usa-los. Na dúvida, fazia ele mesmo o dever de casa. Assim sobreviveria melhor às inesperadas situações da mãe nem sempre atenta às suas expectativas.

Por um lado, sua autodisciplina me poupou energia e me encheu de orgulho; por outro, me despertou – finalmente – para um fato até então impensado e, na prática, desapercebido: segundo filho é diferente do primeiro.

Segundo filho padronizado

Segundo filho costuma demonstrar autonomia e personalidade mais cedo; não por suas habilidades erroneamente admitidas como natas mas por tê-las desenvolvido antes do tempo por autopreservação.

Pais de segunda viagem, já experientes, por outro lado tendem a enxergar segundo filho com lentes formatadas ao primeiro. Segura de minha competência materna, acabei por superestimar a capacidade de meu segundo filho quando ainda lutava por seu lugar na família.

Fosse por qualquer motivo, segundo filho se destacava por demonstrar autonomia diferenciada para sua pouca idade.  Até então me orgulhava disso e o enaltecia por sua notória independência.

Não sabia, contudo, que assim reforçava sua necessidade de autoafirmação nutrida por uma autossuficiência que, por fim, causava mais prejuízo do que qualidade à nossa relação.

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Segundo filho na real

Naquele dia, segundo filho chegou especialmente bravo:

– Mãe! O guardinha me multou porque tava sem bilhete! Me acusou de não ter pago a passagem e me multou!  Pô, a Nanda pagou pra mim mas, como desceu antes, fiquei sem o comprovante do cartão.  Que saco!  Só porque sou adolescente!  Queria ver se fosse um adulto!

– Fala sério! Por que não explicou a situação pra ele? Como deixou que te desse a multa? Pô, não consegue explicar pro cara, filho? Tenha mais iniciativa, né?! – esbravejei possessa com a situação que, a meu ver, era mais simples do que o relatado.

Mais furioso ainda, filho rebateu:

– Olha o que cê tá falando, mãe! Reparou que sou a-do-les-cen-te? Tenho 15, pô! O guarda me cobrou um documento que não tinha!  O que queria que eu fizesse? Encarasse o p#@ e discutisse com ele? Fácil pra você falar, né? Pra mim, não!

Mãe de dois

Descobri a diferença de ser mãe de dois. Lidava com segundo filho assumindo-o suficientemente esperto e capaz de se virar em qualquer circunstância. Mãe de segunda viagem, entrei no automático me desatentando para as necessidades inerentes a qualquer filho em diferentes estágios de desenvolvimento, temperamento e personalidade. Enxerguei segundo filho pronto quando ainda estava em seu tempo de construção.

Senti-me nocauteada; me calei um tanto espantada do torpor em que vivera até então.  Ser mãe de segundo filho também é diferente e me exigiu especial atenção, diria atenção redobrada para não cair na falsa ideia de “facilidade” que confunde pais em seu modo de educar segundo filho.

Não importa quão autônomo segundo filho aparenta ser – e muitas vezes é: ele  anseia e merece atenção e cuidado tanto quanto o primeiro e, como tal, precisa de pais que o ajudem a se desenvolver no tempo certo.

O que descobri sobre segundo filho

A autonomia demonstrada pelo segundo filho me induziu ao erro de crer em sua capacidade de enfrentar qualquer tipo de situação.  O fardo ficou ainda mais pesado quando o reconhecia como “maduro para sua idade”.

Sentia-se ainda mais cobrado de se superar a cada nova situação. O aparente benefício do reconhecimento público era ilusório: filho sofria e continuava necessitado de mãe atenta ao seu crescimento individual e saudável.

Segundo filho não deseja reconhecimento de sua emancipada maturidade. Em vez disso, deseja a segurança de ser aceito e apoiado por pais efetivamente atentos ao seu desenvolvimento e abertos às suas fragilidades.  Quer ser ele mesmo imperfeito e, mesmo assim, merecedor de pais empenhados em ajuda-lo a crescer… no tempo certo.

Até certo ponto, me considerei mãe de segunda viagem descolada porque conseguia dar conta de dois sem os devaneios da primeira experiência.  De fato, segundo filho contou com mãe autoconfiante e até “mais safo” também.  Porém, a vaidosa dinâmica revelou algo maior e mais importante:  forçado pelas circunstâncias, segundo filho aparentemente amadurecido se auto preservava às custas de coragem e força descobertas pela escassez.

Mãe de segunda viagem

Ser mãe não é fácil; de segundo filho, tampouco:  exige atenção constante para evitar as ciladas de um pesado e injusto automatismo que padroniza comportamentos e atitudes até virarem clichês divertidos nas piadas mas prejudiciais no cotidiano de pais e filhos.

Convivendo com dois adolescentes, continuo aprendendo e me aprimorando agora como “mãe de segunda viagem”.  Mais consciente de minhas próprias fragilidades e dos desafios na função, hoje reconheço a unicidade de cada um deles.

Igualmente imperfeitos finalmente enxergo a beleza de sermos únicos por isso incomparáveis e insubstituíveis aos olhos de quem vive a vida como uma jornada de aperfeiçoamento pessoal. Assim, nem antes nem depois, vamos crescendo e nos tornando adultos melhores para o mundo o que, no fim das contas, é a missão de toda família.

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