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Aulas à distância: milagres a quem enxerga além da quarentena

by Xila Damian

Aulas à distância para adolescentes

Aulas à distância foram a saída de muitas escolas nesta inesperada quarentena exigida pelo coronavírus.  A adoção de aulas virtuais, a meu ver, é apenas uma das inúmeras mudanças que sofremos durante a pandemia.  Ainda adotaremos muitas “novidades” em definitivo após esta experiência de confinamento.

Enquanto aguardamos, vamos mudando nosso cotidiano vertiginosamente e isso não é mérito exclusivo dos adultos mas de filho adolescente também.

– E aí, filho, tudo bem? Como foi hoje?

Rosto contorcido, braços abertos e um silêncio como quem diz “preciso responder?”. Tão típico que já finjo não entender:

– Responda! O que isso significa?

Um saco né, mãe?

Primeiros milagres da quarentena

Havia entendido a mensagem desde o começo mas, sabe como é mãe: precisa de uma resposta.  Não bastam os sinais de filho adolescente: precisa escutar sua resposta para, no mínimo, lembrar de sua voz.  Verdade também que sabia a todo momento que a resposta não seria diferente daquela.  Vindo dele – o que já é um milagre – e sendo sobre a escola e os estudos – o que, por outro lado,  é um risco dobrado – não surpreendeu… até certo ponto.

Contrariando as evidências, as aulas à distância não pareciam assim tãããão “sacais” como dizia.  Digo isso não de uma lente pueril de mãe ingênua e cega ao filho que tem. Pelo contrário:  quem me conhece sabe que esta característica não me pertence; nem a mim tampouco ao meu blog.  “Ambos” somos realistas e práticos o que, muitas vezes, até me atrapalham com filhos adolescentes.

Fato é que a realidade tem me provado, na prática, que filho está até mais dedicado aos compromissos escolares neste período inusitado de aulas à distância. Surpreendentemente, agenda alarme, acorda sozinho e – acredite! – às sete e trinta da manhã pontualmente ingressa na maratona de aulas à distância pelo computador.

Surpreso/a?  Eu também!

O susto e o alívio

Do meu quarto, quico na cama como quem acorda assustado ao escutar alguém mexendo na porta. Repetinamente despertada pelo alarme tocando ao longe, abro os olhos de uma só vez que, ardidos pelo súbito esforço, me fazem murmurar pelo incômodo.

De imediato, reclamo pra mim mesma da rotineira carona solidária firmada com outros pais.

– Que dia é hoje? Hoje é meu dia? – me perguntei ainda trôpega para em seguida, suspirar de alívio.

– Tô na quarentena, pô!  Carona solidária agora sóóó… talvez em… – e viro preguiçosa para o outro lado da cama agradecendo a Deus o tempo adicional concedido – por motivos torpes, sei, mas mesmo assim, gratificante.  Assim, neste gostinho de tempo “livre”, abraço os travesseiros novamente e reembarco no embalo da manhã sem hora para acordar.

Milagres em todo lugar

Passados trinta minutos, no entanto, pulo da cama.  Desta vez ainda mais sobressaltada. Corro em direção ao quarto de filho: se a quarentena me permite flexibilidade de horário, o mesmo não acontece para o estudante agora mais digital do que nunca, forçado a cumprir o calendário escolar do recurso até então usufruído como diversão:  a tecnologia.

Infelizmente precisamos da quarentena do coronavírus para entender – e concordar! – que “a tecnologia é aliada que conecta pessoas”.  Nestes dias de isolamento social obrigatório, impossível não notar o discurso da mídia agora a favor da tecnologia como se nunca tivesse pregado exatamente o contrário até dias atrás e contaminado a massa com sua opinião unilateral e preconceituosa.

Ainda que não seja o caso do adolescente que, nascido e criado neste ambiente já a tinha como aliada, as aulas à distância deram a filho adolescente uma nova perspectiva do recurso.  Como que traído pelo amigo que antes lhe satisfazia desejos sem obrigações, agora reclama de tamanho apoio nos estudos.  O aliado agora é mundialmente reconhecido como solução temporária durante a clausura forçada. Um milagre, não?

Então abrindo a porta de seu quarto, uma surpresa: filho compenetrado na tela do computador e, do outro lado, um efusivo professor explicando fórmulas que, cá entre nós, sequer me atrevi a tentar entender.  Rendido à nova função de seu aliado, a principio, provisória, filho participava resoluto e obedientemente focado das aulas à distância. Milagre!

Enxergando além

Temendo atrapalhar inusitado momento, saio de fininho fechando a porta sem alarde. Afinal, quem sou eu para romper tamanha conexão – em todos os sentidos – e perturbar tamanha transformação?  “Ninguém.”, respondi baixinho para mim mesma em breve momento de elucubração.

Horas seguidas no quarto e, de fora e diferente de outras ocasiões, escuto vozes, muitas vozes.  Precisava saber o que acontecia. Coisa de mãe de adolescente, você entende, né? Orelha colada na porta e, de fato, aula acontecendo.  Àquele momento, então, orientações sobre redação a “ser entregue” na semana seguinte:

– Valendo nota.- “pesquei” em meio aos murmúrios virtuais.

– Quarentena durante a Quaresma… desde o início sabia ser sinal de algo maior: milagres acontecendo! –  reconheci e, com olhos arregalados, boca aberta em largo sorriso, soltei mais alto do que desejava:  estou enxergando!

Na ponta dos pés, vou à cozinha a fim de lhe preparar um mimo.  Sobre a bandeja, um reforçado lanche a filho adolescente que, surpreendentemente engajado nas aulas à distância, merecia um chamego à altura daquele milagre inesperado.

Aulas à distância valem mimos

Seguindo cuidados próprios de quem também é autoridade, abro a porta devagarinho e pouso o agrado ao seu lado a fim de lhe facilitar o acesso sem interrupções bruscas.  Surpreendido pela visita inesperada, meu adolescente me fita com olhos cansados e, a julgar pela minha experiência de mãe de menino, também famintos.

Recebo feliz seu leve sorriso como retribuição e, de repente, me lembro de um tempo distante em que ganhar este presente era mais fácil.  O momento é breve; em seguida, agradece a seu modo peculiar:

– Valeu, mãe.  Agora sai e fecha a porta.

Obedeço, assim mesmo, contente.  A inspirada atitude de mima-lo rendeu mais um milagre: o sorriso despretensioso e agradecido que só adolescentes são capazes de dar.

Milagres para ver e usufruir

Cinco horas depois – isso mesmo, cinco horas! – filho sai de seu cativeiro recém-convertido em sala de aulas à distância. Enquanto o vejo seguir para a cozinha, alerto:

– Seu prato está pronto! É só esquentar no microondas!

Saco! Vou comer rápido porque tamo no intervalo. Daqui a pouco vai recomeçar. – resmunga de longe.

Surpresa com a dura rotina do aluno virtual, nos juntamos na sala mas não me atrevo a comentar as aulas à distância. Talvez seja esse o “tal momento” que usualmente técnicos e palpiteiros esportivos metidos a filósofo dizem: “em time que tá ganhando não se mexe”.  Segui o ditado: não mexi nem em filho adolescente nem com ele.

Coisa de mãe de adolescente

Retomo minha leitura, observando-o de canto de olho.  Novamente: sem alarde. Enquanto devorava a comida, verificava mensagens no celular.  Certamente o tempo “fora” teria lhe rendido acúmulos agora pendentes de retornos.  Ameaço sugerir que se mantenha “desligado” mas, salva pelo bom senso filosófico, me convenço: “melhor não brincar com a sorte.”

Mais uma vez, tento retomar a leitura mas agora, distraída pelos ruídos de copo e talheres, finalmente desisto. Especialmente quando a cadeira, abruptamente arrastada para liberta-lo da mesa, me desvia o olhar em definitivo para ele.

Da cozinha, escuto água correndo e louças tilintando:  está lavando seu prato sem ser ordenado para tanto.  Milagres acontecem!  Eis que finalmente surge como uma aparição à porta da sala.  Fitando-me à distância, permanece calado. Neste breve e ao mesmo tempo longo silêncio, não me contenho: preciso perguntar (coisa de mãe de adolescente, sabe?)

– E aí, filho, tudo bem? Como foi hoje?

Eu creio

Agora sabe como as aulas à distância começaram aqui nesta quarentena. Mas, de toda esta nova experiência, o mais intrigante para mim é descobrir os “milagres” que a quarentena – especialmente na Quaresma – tem me proporcionado com filho adolescente.

O tempo – enfim disponível e abundante – tem me proporcionado oportunidades de aprender e exercitar novas práticas junto com filho adolescente.  E isso é um milagre diante do que costumamos escutar do mundo preconceituoso e unilateral que insiste em nos desanimar diante das adversidades.

A quarentena do coronavírus é propício a novas experiências, a novas formas de (con)viver e fazer diferente o que era comum. Temos muito a ordenar e a re-significar.  Milagres? Eles acontecem a quem tem olhos para enxergar… além.

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