Porque adolescente não tem urgência de viver

by Xila Damian

Razões científicas e filosóficas

Seu adolescente dorme demais? Acorda tarde? Não preciso de muito mais para saber sua resposta: definitivamente adolescentes dormem muito.  Na verdade, existem motivos pra isso e digo biologicamente mesmo! Seu organismo,  em franco desenvolvimento, de fato precisa de mais horas de sono para se “recompor” do intenso trabalho de crescer.  Aparte à consideração científica, outra mais filosófica: adolescente não tem urgência de viver.

Perspectivas diferentes de mãe e filho

Tomar conhecimento da necessidade adolescente de mais tempo de sono por um lado me trouxe alívio; por outro, reduziu drasticamente meus argumentos contra seu tardio despertar.  Como discutir uma necessidade orgânica? Só recorrendo a outros mais conceituais como, por exemplo, costumava repetir:

– Para aproveitar o dia, filho!

Ao que respondia em tom uníssono:

Saco, mãe!  Eu aproveito meu dia!  Só não do jeito que você gostaria! – e voltava o rosto sob o travesseiro retomando seu sono com a facilidade que hoje nem em sonho consigo mais.

O horário disciplinado durante o período escolar até ajuda a firmar hábitos saudáveis de sono. Mas nas férias, a história é diferente: o bicho pega… e feio! Talvez concorde comigo; talvez me censure por pensar assim. Afinal…

Férias é assim mesmo: sem hora pra nada, né?

Um dia, melhor, muito tempo também disse o mesmo.  Várias vezes me irritei pelo “desperdício” de tempo por dormirem tanto.  Especialmente nas férias, tempo de aproveitar até que me rendi à tal frase tentando me convencer do contrário e, confesso, por desistir de uma discussão pouco produtiva.

Férias para o adolescente e para o adulto

Na verdade, entendo férias como descanso. Não necessariamente físico mas mental. Daí descobrir porque costumo voltar das férias mais cansada do que o esperado pelos chefes:

– Como assim “cansada”?  Enlouqueceu?  Acabou de retornar ao trabalho! – diziam irritados.

Depois de explicar a dicotomia contando como aproveitava as férias vivendo diferentes experiências, entendiam:  me cansava fazendo atividades pouco habituais e me valendo do descompromisso com tudo e todos; só com a liberdade de fazer o que quero, como e quando quero.  Sem o “dever de aproveitar” seja lá o que isso significasse para o outro.

Por isso me exauria fisicamente.  Uma exaustão agradável até e que me rendia memórias e experiências novas. Quando adultos, porém, férias ganham planos, listas, afazeres, agenda, arranjos que hoje entendo ameaçar a leveza inicialmente proposta ao período. Férias de adulto, vira obrigação com o prazer.

A breve liberdade ganha compromissos com horários, pessoas e atividades.  De repente, se torna responsabilidade e urgência de viver cada minuto com a intensidade de quem não tem tempo a perder. Ao adolescente, esta é uma ideia e atitude naturalmente inconcebíveis.

O que é viver bem pra você?

Foi durante as férias escolares que notei: adolescente não tem urgência de viver. Primeiro, por um motivo quase óbvio: eles tem tempo o que, pela ordem natural, de fato, tem.  Porém, me aprofundando na questão, um ponto importante: a ordem natural nem sempre se confirma. Hoje é tudo o que temos.

Curioso, porém, é como a afirmativa move adolescentes e adultos em direções opostas. Pelo mesmo raciocínio aquele não tem pressa de viver enquanto este, muita. Ciente de que ninguém domina seu tempo, acabo por crer que precisamos usa-lo… bem o que, sob a perspectiva jovem, é viver o hoje; já a do adulto, é planejar o futuro.

A ideia adulta de aproveitar o dia

Sabemos quão intenso é (ou pode ser) o adolescente. Ainda que a geração atual seja constantemente bombardeada com críticas à sua apatia e desânimo, não a enxergo assim. Por experiência própria, vejo e convivo com jovens que vivem a fase profundamente. Pessoal e individualmente, aproveitam sua vida a seu modo e gosto.

Em uma breve troca de mensagens por whatts com a mãe de um amigo, com quem meu adolescente passava férias na praia, evoluímos para um papo, no mínimo, diferente do que pretendíamos no início:

– Oi! Aqui tudo bem!  Estão aproveitando muito… depois das 2 da tarde. rs – e concluiu com um emoji sorridente e suado.

Logo imaginei se tratar daquela preguiça gostosa de férias em que se acorda com calma pela manhã, toma-se um café sem pressa e iniciamos o dia em marcha lenta… planejando o dia que inicia.

A bucólica ideia logo dissipada

Surpreendentemente, a mãe esclareceu:

– Que nada!  Acordam tarde mesmo! Entre 2-3h da tarde, batem cabeça dentro de casa; depois de muito custo, seguem para a praia e só almoçam lá pelas 4h.  Agitados, surgem na cozinha famintos, comem algo e logo voltam para a areia. Só sinto de não aproveitarem mais o dia…

Apesar de surpresa, minha tréplica foi instantânea:

– Dá pra entender… adolescente não tem urgência de viver. – filosofei involuntariamente.

– Verdade… nunca havia enxergado por esta perspectiva.

Nem eu!  A resposta foi totalmente intuitiva e espontânea!  Até então, era uma realidade pouco refletida: sem plano nem hora, adolescente não tem urgência de viver porque vive o hoje sem se ocupar com cansaço e descanso. Tem energia física e mental para tanto;  pautado na “ordem natural”, tem tempo pra isso.

Curiosamente, ainda que me sinta física e mentalmente disposta, essa mesma ordem natural me leva a fazer o oposto:  a ter urgência de viver mesmo que ciente de meu limitado poder sobre… o tempo.

Por que adolescente não tem urgência de viver?

A imagem de que adolescente é, por natureza, afoito e agitado caiu quando enxerguei meus filhos com outra lente: tanto eles quanto seus amigos não correspondiam o “padrão”.  Escutei de um famoso filósofo:

“Jovens não tem pressa porque tem mais tempo pra viver.”

De fato, o adolescente em sua pujante energia se vale da régua biológica para viver A priori, planos são antecipações desnecessárias e ainda distantes de sua realidade e necessidade práticas.  Precisa descansar? Descansa.  Quer dormir? Dorme. Está de férias? Então está livre das obrigações e dos compromissos.

O vigor adolescente não diminui por isso. Pelo contrário, se revigora; vira energia renovada para viver o hoje com a vitalidade que nós, adultos, ressentimos de perder com os anos vividos, as responsabilidades acumuladas e a experiência ganha.

Portanto, para o adolescente, férias é, literalmente, descompromisso com as obrigações, o que, para nós, adultos, é um tanto diferente. Enquanto para aqueles é viver o agora conforme humor e disposição, para nós é planejar e seguir à risca o plano traçado; inclusive de futuro.

Pra quê tanta urgência afinal?

Adolescente não tem urgência de viver porque vive!  Dorme muito, acorda tarde e “enrola” para começar o dia porque não tem pressa.  Usufrui de cada momento no seu tempo de poucos anos, iniciais responsabilidades e experiências. E, quer saber? Tudo bem! É como deve ser.  Pela ordem natural, é assim o que deve ser.

Por mais submissos ao tempo e à ordem natural que sejamos, aprendi com filho adolescente que preciso usar melhor minha maturidade para viver o hoje consciente o bastante para enxergar e entender a exuberância do dom da vida hoje.

Seja na exuberante adolescência ou na calejada maturidade, viver é exercício (e dever) de todos. A ordem natural me baliza também mas descobri na pele que nunca será certeza de um amanhã.  Ainda que adultos e adolescentes vivam em ritmos totalmente opostos pelos mesmos motivos, hoje me pergunto:

– Afinal, para quê tanta urgência?

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