O desafio netflix

Quando filho pediu pela primeira vez, a assinatura da netflix, respondi prontamente:

– Tá brincando, né? Já pago a bendita TV a cabo com seus trocentos canais e serviços, que aliás sequer consigo usufruir, e você me vem com essa história de assinar netflix?

– Mãe, pra começar: você sabe o que ela é e o que oferece? Além disso: sabe como funciona e quanto custa? – desafiou.

De verdade? Não sabia; mas, como habitualmente fazia, reagi à novidade de filho adolescente nativo digital pra me preservar. Aquela certamente seria mais uma invenção de filho que me traria trabalho e despesas adicionais. Minha rejeição a seja lá o que fosse aquela tal netflix me pouparia de ter que lidar com mais um recurso tecnológico certamente “alienante e viciante” (dizia) reivindicado por filho adolescente nativo digital.

Valendo-se da experiência de me julgar ignorante digital (o que realmente era), filho insistiu. Atento às minhas habituais escapatórias estratégicas, logo se ocupou de tentar me atualizar na expectativa de me convencer das “maravilhas” (dizia ele) proporcionadas a um clique por aquele novo recurso do mundo digital.

Assim, a decisão de aderir ou não à Netflix, não morreria tão facilmente. Pelo contrário: seria, antes, discutida com a persistência e paixão que só adolescentes tem; depois, com o conhecimento que, em se tratando de tecnologia, só adolescentes nativos antenados digitais tem. Desafio lançado, começaram as batalhas.

Alienada digital

Algumas semanas passaram e, finalmente, sucumbi às interpelações de filho nativo digital pro netflix. Decidida a tirar o tema de pauta, parei para escutar suas explicações. Só assim poderia lhe dar o veredito final negativo e encerrar o assunto de uma vez por todas.

Fingindo interesse, balançava a cabeça e arregalava os olhos demonstrando falsa admiração sobre o “incrível” arsenal disponível a um clique na netflix. Alienada das “maravilhas” do mundo digital, minimizei o advento transformador do mercado cinematográfico e, com isso, continuei perdendo a oportunidade de usufruir de outros trocentos títulos; daquela vez, com filho adolescente.

Decerto que o estrondoso acesso a incontáveis filmes, séries e seriados tornavam a netflix a grande novidade do momento. Àquela altura, um tanto acomodada com a tv a cabo e um tanto apegada ao ritual de idas a salas de cinema, mantive distância da novidade netflix certa de que a moda digital logo morreria.

Foi assim que, a cada nova abordagem de filho sobre netflix, encerrávamos a discussão com as habituais escapatórias e respostas:

– Vou pensar.

Enquanto ele:

– Mãe, você é um saco!

A história mudou

Mais algumas semanas passaram e, naquele encontro de amigas, trocávamos sugestões de filmes e leituras. Surpreendentemente, o repertório delas soou maior naquele dia e as discussões sobre temas atuais, mais quentes. De repente, me senti fora de contexto.

Dentre inúmeros filmes, séries e seriados mencionados, sobrecarreguei a memória acumulando indicações e dicas de títulos que sequer escutara. Atenta ao leque de opções amplamente fornecido e à intensa troca de opiniões sobre temas da atualidade, definitivamente, era peixe fora d’água.

Especialmente quando uma delas subiu o tom para lançar a pergunta da noite:

– O que acharam do 13 Reasons Why? A trama adolescente é surreal, prato cheio pra discutirmos assuntos cruciais com filhos, não?

Em tom uníssono, mães antenadas ao mundo digital se agitaram ainda mais e o debate começou. Mas, antes, a dica final:

– Quem não assistiu, gente? Os adolescentes de hoje só falam disso! Impossível ficar fora dessa! Ainda mais quando a um clique da netflix, acessamos tudo.

Muda e, de certa forma, desconcertada por aparentemente ser a única alheia à tal série, sorri amarelo fingindo ar blasé. Até que uma, voltando-se pra mim, exclamou:

– Você tem que falar disso no blog!

Desafio lançado e então disposta a unir forças pra tirar o assunto de pauta com ganhos mútuos, corri pra casa. Por fim, verdadeiramente interessada, perguntei ao maior interessado:

– Filho, como é mesmo essa história de netflix, hein?

O poder de um clique

Várias vezes resisti a sugestões de filho adolescente por julga-las tolas mesmo quando desconhecia o assunto. Aquela teria sido mais uma dica desperdiçada não fosse o inconsciente sacolejo das amigas antenadas da era digital. Enquanto mãe pouco disposta a considerar dicas de filho, seguia me privando das oportunidades de usufruir de uma relação de troca com filho e com o mundo digital.

O advento netflix é só uma pequena mostra do que a tecnologia pode nos oferecer inclusive como pais de adolescente. Batalhas à parte, conhecer e entender as novidades do mundo atual com filho adolescente virou oportunidade não só de usufruir dos recursos digitais em si mas de descobrir que adolescente também pode ensinar.

A imensa variedade de filmes, séries e seriados disponíveis pelo advento netflix proporciona mais que amplo arsenal cinematográfico. A um clique, dá a chance de conectar gerações capazes de, finalmente, usufruir do passado e do presente juntos. Palavra de mãe de adolescente nativo digital pouco antenada que um dia fui.

Leituras sugeridas: O adolescente de hoje: o que você sabe pra criticar?, Suicídio na adolescência (13 Reasons Why), Subestimar filho adolescente é típico de pais Marlin