Novo normal
Sem palavras para expressar como me sinto com a determinação do uso de máscara como acessório obrigatório de nosso dia a dia. Triste é o mais próximo de como me sinto hoje. Entendo e reconheço a importância da medida mas não consigo enxerga-la como nosso “novo normal” vivido detrás de uma máscara.
Mãe de adolescentes, vivia significativas mudanças por conta da nova fase de filhos e da era digital. Até então, meus maiores desafios se resumiam a aprender a conviver sob tais circunstâncias. O uso da máscara como ação preventiva à pandemia do novo coronavírus mostrou que o mundo ainda mudaria mais.
A missão de educar filho adolescente extrapola o convívio familiar: é compromisso com o mundo, sempre diferente a cada geração, agora até em uma mesma. Já a cobrança é sempre igual: receber adultos melhores. Portanto, dependendo de nossa resposta às novas condições de convívio além família, mudar vira necessidade.
Uso da máscara: conta pendurada
Quando usei a máscara pela primeira vez, voltei pra casa chorando. De verdade: lágrimas corriam pelo rosto. De coração angustiado, via: o mundo não é mais o mesmo de antes. Não que o “antes” da pandemia fosse perfeito. Ainda não era e, provavelmente, nunca será. Mas, justamente quando colhia os frutos de um árduo trabalho de mudanças com filho adolescente, o vírus assolou nossas vidas.
Ainda que a ideia de ser cobrada daquele frenético e intenso ritmo de desordem no mundo diariamente me afligisse, não imaginava que pudesse ser mais assustador que a adolescência Pensava ter despertado em tempo de me redimir e, quem sabe, reduzir parte da conta.
Acreditava ser missão impossível conviver com filho adolescente. Até descobrir que precisava mudar se quisesse, de fato, me relacionar com ele. Comecei mudando minha lente sobre filho adolescente. A partir daí, muito mudou em casa. Depois fora. Então, como revelação, compreendi: não se trata de desejo mas de dever com o mundo.
De fato, o mundo insistia em tentar me fazer desistir mas, por alguma razão, não sucumbi às suas investidas. Ainda que a tentação fosse grande, resisti fiel ao compromisso de ser e formar adulto melhor para o mundo. Afinal a proposta sempre foi esta. Para todos. Indistintamente.
Conscientizar-me da necessidade de mudar minha relação com filho, portanto, foi o primeiro passo dado para alcançar bons resultados. Os efeitos concretos eram visíveis e as conquistas comemoradas. Então novo meteoro cai e junto, novas necessidades para viver em um mundo melhor.
Isolados detrás de uma máscara
Superar o desafio de ser mãe de adolescente me mudou para sempre. Passei a enxergar além dos problemas. Com lentes diferentes de “antes”, aprendi mais que sobre a fase: compreendi meu papel no mundo. Ao mudar, os resultados também foram outros e os efeitos concretos provam: mudar é bom.
Não só a dinâmica familiar ganhou ritmo como também harmonia:
– Mãe, você era um saco em tudo! Não podia me ver que sempre tinha alguma coisa pra reclamar…
Comentários como este me fazem recordar um tempo triste. Não me orgulho dele. Porém, admito: graças a situações como aquela despertei para a necessidade de mudar para ser melhor em família. Portanto, mudar é necessidade de quem deseja e tem consciência de seu papel em casa e no mundo.
A proposta original da maternidade é formar adulto saudável para o mundo. O exercício é complexo, difícil e árduo mas sempre foi assim. A proposta continua a mesma desde sempre. Independente das gerações, a missão ainda é a mesma.
Assim, reintegrada ao convívio com filho adolescente, reassumi meu lugar de mãe e a missão. Diferente de “antes” e reconectados, assistimos juntos o meteoro da pandemia mudando, de novo e para sempre, o mundo. Desta vez, profunda e indistintamente. Reféns de um mal invisível, ironicamente tivemos que, em movimento contrário, nos isolar.
Renovação dos votos de compromisso
Mais uma vez assustada com o que via, assistia estupefata o desconhecido avançar. Ainda sem saber como lidar com o diferente, tive medo. O enredo era familiar; a reação, idem. O desafio parecia maior; as mudanças necessárias, também. Especialmente depois do que vi detrás de uma máscara.
O desafio de conviver com filho adolescente pareceu pequeno diante do novo normal que se configurava. A responsabilidade de formar adulto melhor, no entanto, claramente aumentou. Vertiginosamente. Mergulhada em reflexões mais profundas, comecei a avaliar minha participação na dinâmica não mais familiar, mas mundial.
O novo cenário, detrás de uma máscara, repercutia dentro de mim. O novo normal, assumido por necessidade, gritava alto a cobrança por mudanças. É hora de renovar nossos votos de compromisso com o mundo sendo e formando adulto saudável sob condições ainda mais desafiadoras.
O automático sabota a vida
A obrigatoriedade do uso de máscara coroou o inusitado período iniciado pela quarentena. Os primeiros dias de isolamento social se estenderam além do previsto. Incorporado ao novo cotidiano, já se configura nova condição da humanidade.
O uso da máscara fez o mesmo. Inicialmente adotado como provisória medida preventiva, já se instaura como futuro acessório permanente. O extraordinário contexto também tem nos apresentado outras necessidades como a de prestar atenção ao redor.
Por exemplo, a quietude gerada pela reclusão me ensinou a escutar o silêncio e sentir prazer nisso. Sentidos de novo aguçados me levaram a viver o momento. Como que despertada da anestesia do “antes”, observei a natureza reassumindo seu espaço.
De repente, notar a visita de passarinhos na varanda, a presença de animais na habitual trilha de corrida, a areia da praia de novo virgem, a ostentação do mar imponente me fez redescobrir a atenção plena e reconhecer o ritmo harmônico da vida.
Sinto a natureza, momentaneamente livre da ação humana, me convidar a enxergar além da agitada vida de antes; me atrair de volta ao começo de tudo, a resgatar a proposta original da maternidade atenta às ameaças de uma rotina automática que cega e, por consequência, sabota a missão de ser e formar adulto melhor para o mundo.
A mudança é permanente
Vivemos tempos extraordinários. Hoje, detrás de uma máscara, enxergo um mundo desejoso de mudanças capazes de nos reconectar, um mundo cansado da negligente ação humana. Vivemos necessidades extraordinárias de mudança que vão além família.
O mundo, repaginado pela pandemia, está nos cobrando maior consciência – e esforço – para organizar a bagunça feita por nós mesmos; clama por uma reordenação de prioridades e de necessidades prioritárias. É onde meu compromisso de mãe cruza com o de cidadã.
Torna-lo de novo habitável sob uma convivência salutar é, sem dúvida, mais desafiador que ser mãe de adolescente. Mas tendo visto e vivido o “antes”, sofro mas não desfaleço. Em vez disso, mudo de novo. Afinal, a proposta – e o compromisso – sempre foi de ser e formar adulto melhor… apesar de sua insistente tentativa de querer me desanimar.
Leituras sugeridas: Eu e a panela de pressão, Respostas automáticas de mãe, Adolescência e coronavírus, o Efeito Borboleta
1 Comment
[…] um mundo tão necessitado de saúde – em todos os sentidos – compomos sociedade doente e carente sobretudo de sabedoria e esperança. Dragados pela […]