Educação ineficaz
Era mãe falante de filho distante. Faltavam-nos assunto. Nas raras vezes do que parecia ser começo de uma conversa, o iminente diálogo era repentinamente interrompido e prematuramente finalizado.
Via meu adolescente como uma espécie de caixa preta só passível de ser aberta em caso de desastre. Alijada de suas experiências criteriosamente resguardadas por um acesso restrito, desconhecia sua vida cada dia menos compartilhada.
Por outro lado eu, curiosamente, sempre tinha algo a dizer. A cada potencial interação, uma oportunidade de “educa-lo” – acreditava. O resultado: situações triviais transformadas em verdadeiros colóquios instrutivos.
Constantemente vigilante a educar filho, vivia cansada; até de mim. O permanente estado de alerta me exauria e mostrava que nem os mais resistentes – como mães de adolescente, por exemplo – escapam da fadiga cotidiana especialmente quando se trata de falar, falar e falar.
A caricata mãe de adolescente “falante” é, a meu ver, uma forma polida de tachá-la de verborrágica e chata. Ridiculamente fazemos por merecer o rótulo, o que só descobri depois de viver na pele o tal papel.
A mãe falante
Quando a adolescência enfim me mostrou suas garras, assustei. Àquela altura, moldados aos respectivos padrões de mãe e filho adolescente, repetíamos não só comportamentos como também as clássicas frases inerentes à fase:
– Impossível falar com você, mãe! – dizia meu adolescente.
– Não te entendo, filho! – eu dizia.
Seguimos o modelo perpetuado por gerações um bom tempo e a frase “mãe, você é um saco!” se tornou tão frequente em casa que abriu meus olhos para o fato de ter-me tornado mais uma típica mãe de adolescente “falante” que pensava estar educando por simplesmente falar, falar, falar.
O alerta ecoava diariamente mas ainda não o entendia – ou escutava. De surda fiquei também cega e as interações com filho adolescente ganharam status de mau relacionamento entre mãe e filho “distante”.
A comunicação se perdera de tal forma que a chance de atrair filho para mais conversas se esvaía a cada dia. Falava demais e, nada estratégica e totalmente no automático, desaprendera a escutar e silenciar estrategicamente.
A típica relação de mãe e filho adolescente
Abusando de clichês, entendia a dinâmica como “normal” e paulatinamente ia crendo na falácia de que mãe chata era mãe comprometida com a formação de bom adulto para o mundo.
– Como foi na casa do Dani? – perguntei curiosa quando chegou em casa.
– Um saco! Aquele idiota do Chico tava lá… ô cara b*#@!
– Que isso, meu filho? Que boca suja é essa? Isso não é jeito de falar…
– Ai mãe, tá, tá! Ele é um *#*@* mas você quer me educar até quando não é hora pra isso. Tô p da vida; me deixa, mãe…
Situações do cotidiano facilmente viravam bate-bocas: de um lado filho inflamado e suscetível a extravases passionais; de outro, eu ocupada em educa-lo a qualquer custo mesmo que alheia às experiências trazidas pela fase.
A confusão de frases mal elaboradas, mensagens mal interpretadas, comentários desnecessários e interrupções antecipatórias tornaram nossa comunicação desastrosa. Diálogos contaminados de reatividade e clichês nos lançavam cada vez mais à fundamentada caricatura de mãe e filho adolescente.
Mais (pre)ocupada em educar do que formar filho, falava sem filtros e sem direção; sem clareza e objetividade. Perdia o foco; agia inconscientemente. Como resultado, perdia a chance de, primeiro, atrair meu adolescente para perto; depois, de efetivamente orientá-lo a partir dos fatos de sua vida em mudança.
A má comunicação com filho adolescente
Ingressei no rol de mãe falante por negligência, pura desatenção. Vivi cenário caótico de filho cada vez mais avesso a mim e eu, cada vez mais incompetente na forma como falar com ele; ainda assim, acreditei que a dinâmica fosse “normal”.
Curiosamente, preciosa dica partiu dele:
– Mãe, você não consegue escutar o que falo sem dar pitaco! Se pelo menos me escutasse de verdade, te contaria mais. Mas você não consegue! Você é um saco!
Aquele comentário calou fundo e de tal forma que, em breve instante, enxerguei o ponto cego de nossa comunicação: não era boa ouvinte… tampouco de filho adolescente.
Desrespeito na adolescência – Saiba mais!
Conversando com filho adolescente
Mudar é difícil e desconfortável mas minha relação com filho adolescente já estava assim. Diante das circunstâncias, mudar era opção, esperança de um resultado, pelo menos, diferente daquele resignadamente “normal”.
Tateando, me dispus a tentar mudar a dinâmica. Comecei devagar:
– Que tal o filme, filho?
– Chato. Na verdade, muito ruim. Nunca mais vou ver filme de terror. Besteira total.
– Sério? – respondi comedidamente.
Para minha surpresa, a réplica imediata:
– Sério. Nunca imaginei que um dia fosse assistir filme tão ruim na vida! Fui porque a galera quis mas… depois dessa, tô fora!
– Que pena, hein? Além de você, mais alguém não gostou? – arrisquei cautelosa.
– A maioria! Sabe a Isa? Aquela loura que veio no meu aniversário? Ela amou… fala sério… vai entender…
A tentação de lançar frases feitas como “gosto não se discute” e outras tantas ponderações foi grande mas, creia, suportável. Curioso mas, quando agimos consciente em situação de ameaça, enxergamos melhor os erros grosseiros desnecessariamente cometidos.
Consegui domar o ímpeto de “educar” filho naquela conversa trivial; atenta aos pontos importantes a serem levantados em outra ocasião, segui o fluxo da história despretensiosamente. Era hora de aproveitar a interação já tão escassa com filho adolescente e conhece-lo um pouco mais.
De repente o “jugo ficou leve”:
– Como é bom não ter de comentar e ensinar a partir de tudo e qualquer coisa! – pensei absorta em meus pensamentos enquanto filho extravasava sua experiência finalmente sem restrições.
Algumas pistas de como dialogar com filho adolescente. Clique aqui!
A mãe de adolescente que quero ser
Compartilhar experiências é necessidade tipicamente humana mas caímos na tentação de falar mais e escutar menos o outro. Arrisco dizer que mães de adolescente costumam sofrer ainda mais deste mal por crerem na necessidade de educar a todo custo não importam as circunstâncias. Na verdade, mãe se sente impelida a dar seu parecer.. em tudo e em toda ocasião.
De fato, a fase assusta e assumir novo comportamento é realmente difícil mas a missão de formar outro ser – consciente e atento a si mesmo – exige empenhar-se ao auto controle e à serenidade para atingir a meta com determinada clareza em vez de impulsiva cegueira.
A adolescência de filho também me exigiu aprimoramento. Fazer boas perguntas, escolher a hora de uma intervenção – e a de relevar! – é conscientizar-se para a formação de outro adulto em vez de um adestramento automático que detona fator imprescindível na relação: a cumplicidade entre mãe e filho.Evitar comentários e julgamentos em ocasiões de potencial acesso a filho nos reconectou para uma relação fluida em que trocamos experiências a partir do outro.
Mãe ouvinte de filho adolescente falante
Descobri meu adolescente a partir destas interações que paulatinamente se tornaram mais frequentes, gradualmente mais leves e, melhor, mais esclarecedoras sobre o filho que se desenvolvia. Definitivamente mais ouvinte – e menos falante – ambos crescemos… juntos.
A (re)aproximação significou buscas reiteradas à minha opinião sobre as novas situações que o desafiavam nesta difícil fase de transformação. Os conflitos por fim cederam à uma dinâmica de cumplicidade em que, então parceiros na jornada de crescimento, compartilhamos diferentes visões de vida e sob distintos graus de maturidade, contribuímos com perspectivas edificantes… a ambos.
– Acredita que o Vini me deu bolo de novo? Foi pra praia direto sem me avisar. A gente tinha combinado de ir junto, pô! Ele vai ver… – disse totalmente aturdido.
– Combinaram? – respondi com reservas.
– É… depois da escola. Combinamos de passar em casa rapidinho e então irmos juntos mas ele… nada! É a segunda vez que faz isso… saco! Isso me deixa maluco! – esbravejou ainda mais irritado.
– Segunda vez? Que chato, hein?! Talvez seja o caso de um papo com ele, não acha? – sugeri cautelosamente.
– Talvez mas por enquanto, deixa quieto. Depois vejo isso, mãe. – e então mudamos de assunto.
A caixa preta aberta sem desastre
Demorei para atentar à cilada por trás da ideia de que mãe falante é mãe que cuida e educa. Mais do que educar, formar adulto consciente e capaz de se relacionar com quem pensa diferente e cresce na diversidade de gerações é meta maior, mais desafiadora e sempre mais necessária ao mundo.
Rever modelos pejorativamente arraigados por gerações me ajudou a descobrir meio próprio, único e saudável de conviver com filho adolescente – em vez de lidar com ele como um “problema normal” – para efetivamente participar de sua vida inclusive nesta desafiadora fase.
Educar demanda empenho em manter-se junto de filho mesmo quando as circunstâncias parecem “impossíveis”. Perseverar na busca por meios de atrair o adolescente para perto é fundamental na formação do adulto que o mundo precisa receber.
Falar, instruir, orientar, ensinar e corrigir filho a esmo definitivamente não é a chave capaz de abrir o “filho-adolescente-caixa-preta” mas uma relação de consciente atuação e confiança, isso sim, nos outorga autoridade de abri-la… sem esperar um desastre para isso.
Leituras sugeridas: Dialogar com adolescente, Mãe agricultora: o que falo a filho, cresce, Mensagens de amor,
No Comments