O contrário da educação
Educar adolescente exige adultos conscientes de si mesmos. Dizem que crianças podem ser criaturas más, mas cristã praticante que sou, rechaço com pesar e descrença, recordando a instrução dada por Jesus na Sagrada Escritura: sejamos como as crianças, ou seja, puros de coração. Portanto, aquelas não são más; são mal educadas.
Acredito que adultos inconscientes, estes sim, podem ser verdadeiras ameaças à educação de adolescentes e crianças naturalmente carentes de orientação… e bom exemplo. Depois de conversar com uma jovem estudante a caminho da escola, lembrei da passagem bíblica e refleti sobre os fatos.
O assunto, inicialmente banal, evoluiu pra uma conversa séria depois de apontar alguns conflitos vividos no ambiente escolar. Na ocasião, contou-me ressentida a atitude de alguns professores que, reiteradamente, se dirigiam a ela “com ironia”, palavras dela. Nas minhas, com inconsciente desrespeito e imaturidade.
– Nossa! Por isso está chovendo hoje! Você aqui na biblioteca?
Ou como certa vez em que, questionando determinado comunicado escolar, o professor lhe respondeu:
– Tá reclamando de quê, Dani? Você nem lê comunicados…
Outros episódios relatados logo me prenderam a atenção. Algo errado estava acontecendo ali. Acionado o alerta, fingi ingênua curiosidade pedindo detalhes sobre o contexto das situações vividas. Afinal, aquele recorrente comportamento não correspondia às expectativas de quem deveria educar adolescente, ou seja, despertar o melhor do outro; não o contrário.
A educação desvirtuada de educadores inconscientes
Primeiro, questionei sua conduta perguntando se lhes havia dado motivos para este tipo de interação; depois, se recordava algum histórico de rixa ou comportamento comprometedor de sua parte. Por fim, provoquei uma autocrítica na tentativa de encontrar respostas para tamanha hostilidade.
– Tia, não sei! Nunca me disseram claramente o que faço ou fiz de errado para me tratarem assim. Nessas horas, nem respondo; não consigo! Me dá vontade de chorar… de raiva! Corro pro banheiro. É um saco, porque não consigo nem me defender! – disse, com voz embargada.
Seu relato me tocou profundamente. Minha primeira reação foi de acolhimento; compaixão mesmo. Instinto protetor de mãe, certamente. Depois disso, empatia: conheço a sensação de ser criticada reiteradamente sem saber o motivo. Um rótulo injusto colocado na nossa testa a partir de um “retrato” de momento, uma atitude mal tomada, mal interpretada e não esclarecida. Rótulos são assim: injustos.
Pior ainda quando colados por quem, a priori, deveria ter consciência do poder das palavras mal colocadas e atitudes mal interpretadas. Não acredito que crianças possam ser cruéis, mas mal orientadas e educadas. Especialmente por adultos inconscientes que as tornam presas fáceis de uma educação cruel e rotuladora.
Crianças e adolescentes são naturalmente imaturos e vulneráveis. Portanto, potenciais vítimas de educação desvirtuada baseada em deméritos e punições veladas. Ao contrário do que afirmam pejorativamente, sofrem nas mãos de algozes inconscientes de suas próprias atitudes e comportamento.
Presas fáceis de uma sociedade hostil
Habitualmente escutamos e lemos reclamações sobre os jovens “de hoje”. Quem conhece meu trabalho, sabe quão avessa a rótulos me tornei. Mais ainda a críticas ao chamado jovem “de hoje”, expressão repetida por adultos inconscientes da ironia e do julgamento que carrega.
Convivo com adolescentes diariamente. Não só com meus dois filhos que, por longos e duros anos, foram privados de minha convivência amorosa por conta dos rótulos por mim assumidos. Também me relaciono com jovens de diferentes idades e perfis que não só nutrem e ampliam minha visão de mundo como também contribuem com meu aprimoramento. Além disso, perto deles, me torno (e me sinto) adulto melhor.
Prova disso é o relacionamento (re)construído e a relação hoje fortalecida. Junto com estes jovens “de hoje”, aprendo a me ajustar às desafiadoras mudanças da atualidade; me aperfeiçoo como educadora comprometida a tirar o melhor do outro; não o contrário.
Por isso, me escandaliza perceber a atuação inconsciente de alguns adultos. Reativos, lançam a esmo munição, minam relações, estragam potenciais oportunidades de educar adolescente e dar bons frutos. Nessa dinâmica permissiva e nada educativa, jovens emocionalmente imaturos e vulneráveis, se tornam presas fáceis de uma sociedade infelizmente hostil.
Diálogo maduro é poderoso recurso educativo
Sei como é difícil educar adolescente. Também sei a dificuldade de enfrentar com dignidade este tipo de situação. Afinal, já sofri isso. Quieta. Sem (auto)defesa. Sem saber como responder da forma correta às investidas hostis. Sim porque a resposta não é reagir. Muito menos intempestivamente. É se posicionar. E isso requer maturidade o que, para o jovem, é exercício deveras árduo.
Precisamos ensinar nossos jovens a se defenderem conscientes de que são merecedores de respeito tanto quanto qualquer outro ser humano. Isso é cidadania; é indivíduo consciente de seus direitos e também de seus deveres. Isso é capacitar jovem para a resolução de conflitos de forma civilizada. Isso é educar adolescente em um mundo hostil.
Inapta em sua autodefesa, então me solidarizei com a jovem. Instruí que buscasse seus “algozes” e lhes expusesse seus sentimentos. Que lhes perguntasse o porquê daquela conduta com ela; talvez fosse mesmo o caso de um ajuste de comportamento; talvez fosse mais um rótulo injusto.
Ensinei que lhes cobrasse respeito assim como lhes prestava respeito, uma via dupla fundamental que, quando seguida, é estrada segura. Pra todos. Que, independente do motivo, o diálogo maduro sempre será rica oportunidade de aprimoramento. Para todos.
Autoconscientização para educar adolescente
Adultos inconscientes é realidade mais comum do que o desejado. Infelizmente, reagimos a investidas como (irracional) auto defesa. Desapercebidamente rotulamos pessoas. Assim também criticamos adolescentes. Inconscientemente tachamos os naturalmente imaturos e desprovidos de recursos sem notar o peso da injusta e degradante dinâmica.
Canso de assistir cenas de pais desarvorados em reuniões escolares com dedo em riste sobre professores em situações de conflito. Me surpreendo com a inconsciente atuação de educadores que punem alunos por mau comportamento. Não defendo relevar transgressões. Defendo mudança de atitude por meio da autoavaliação orientada, do diálogo maduro, da empatia. Defendo educar adolescente para um convívio consciente.
Não me tome por ingênua: sei que não vivemos o mundo de Alice. Conheço e participo de boa parte dos desafios de como educar adolescente no mundo atual. Sou mãe de dois e vivi o inferno desse universo um dia. Exatamente por isso, te asseguro: há como conviver e usufruir dos jovens “de hoje”. Desde que, antes, nos conscientizemos de nós mesmos.
A conscientização educa adolescente para a mudança
Precisamos nos livrar, de uma vez por todas, das opiniões depreciativas sobre as diferenças entre o presente e o passado. São só diferentes. Sem julgamento de valor, precisamos nos convencer de que precisamos continuar aprendendo, inclusive com os jovens “de hoje”, em prol de uma sociedade melhor. De um mundo melhor.
Pra tanto, precisamos nos enxergar primeiro: como nos comportamos em relação ao adolescente? Como agimos (ou reagimos) aos conflitos? Nossos jovens, de fato, mudaram. O mundo mudou. E nós? Adultos, pais e educadores? Como respondemos a tais mudanças? Como nos adaptamos a esse novo contexto? Estamos realmente fazendo nosso melhor para cumprir a missão de formar adulto saudável para o mundo?
Receio que não; arrisco dizer que não porque, um dia, pensei estar fazendo meu melhor com filhos. Na verdade, não estava. Repetia clichês, reagia a conflitos, reclamava e não mudava. Não me dava ao trabalho de aprender, testar e avaliar novas possibilidades. Educar adolescente era reagir.
Era mãe inconsciente e automática. Fui como muitos outros pais de adolescente e educadores. Mas não se irrite por dizer isso. Reflita sobre o que digo. Compartilho minha experiência na expectativa de inspirá-lo a refletir sobre si; a se conscientizar e, então, mudar.
Formando agentes de mudança
Formar indivíduo saudável é dever de pais e contribuição de educadores. Somos importantes referências e fortes influenciadores de futuros adultos. Se não nos esforçarmos mais, não aprendermos mais, não nos dispusermos mais, não nos conscientizarmos mais, não formos verdadeiros exemplos de adulto melhor hoje, nunca conseguiremos lograr a missão de formar um mundo melhor para o futuro.
Finalizei a conversa com aquela adolescente lhe exigindo dialogar com os tais professores. Se necessário, até com o coordenador. Empaticamente concordei: de fato, a tarefa é difícil mas não permitiria autocomiseração. Precisava aprender, desde já, a se posicionar e, com maturidade. Se defender e se explicar também.
Precisava começar o exercício. Certamente ficará insegura. Talvez chore de novo; mais uma vez, mais uma vez… até que, um dia, terá aprendido (e ensinado a outros): dialogar é esforço pra vida toda e começa cedo. Quando praticado da forma correta, muda comportamentos, muda pessoas, muda o mundo.
Dado o primeiro passo, compreenderá que o mundo é, de fato, hostil mas com adultos conscientes pode ser diferente e melhor. Sobreviverá, mas espero mais: espero encorajá-la a ser agente de mudança, a influenciar outros a mudarem comportamentos permissivos. Espero educar… inclusive adultos “de hoje”.
Leituras sugeridas: Adolescente de hoje: o que você sabe pra criticar?, Adolescente e escola: uma relação baseada no que tem pra hoje
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