Filho reclama de barriga cheia… de medo!

O cenário é mais complexo

Filho reclama de barriga cheia, mais um clichê de pais de adolescente. Perdi a conta das vezes que me utilizei dele pra cobrar nota escolar de filho. Afinal, sua vida “fácil” de “só” estudar era motivo suficiente pra se dedicar com afinco. Difícil era minha vida adulta cheia de responsabilidades e problemas; por vezes até insuportáveis.

Reduzia a adolescência ao cumprimento da meta de concluir os estudos desconsiderando o entorno da fase. À medida que o tempo avançava, o relacionamento com filho complicava e um ciclo vicioso de cobrança escolar reiniciava. A pressão aumentava e, inversamente proporcional, suas notas escolares caíam.

Movida por clichês, vivia situações previsíveis repetindo padrões pouco eficazes. Inconsciente da profunda transformação que filho passa na adolescência, automatizava minha função de mãe: enquanto lutava pra lidar com as questões de seu mundo adolescente, insistia em lhe cobrar um único resultado: notas escolares.

Infelizmente, outros problemas o desafiavam ainda mais. As notas eram detalhe de um cenário assustadoramente complexo. De fato, filho reclama de barriga cheia… mas de medo de não dar conta da transformação.

O medo

Discursos saudosistas da adolescência me deixam contrariada. Diferente de vários amigos da adolescência, lembro da fase com parcimônia. Afinal, lembro que foi também fase complicada de amadurecimento. Apesar do saldo positivo das boas memórias também me recordo das angustiantes emoções vividas e abafadas quando nos tornamos adultos.

A fase não são só flores e, de fato, estudar não era minha única preocupação. Ainda que a escola fosse o palco de minhas experiências mais marcantes, ser boa aluna era meta mas não prioridade, o que justifica minha atuação mediana na fase.

Isso porque a  busca por minha identidade demandava maior atenção e esforço. Diante de conflitos internos difíceis de lidar, lutava pra não sucumbir aos intensos dilemas e confrontos que surgiam diariamente nas minhas interações. Por isso, lembrando e conhecendo mais a adolescência, hoje sei que filho reclama de barriga cheia, mas de medo.

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A fase é mais complexa do que se crê

Apesar de confiar na qualidade de ensino da escola do filho, suas notas me inquietavam. Investiguei, então, todas os possíveis motivos que o levassem ao baixo rendimento. Cheguei, inclusive, a avaliar sua capacidade cognitiva!  Na falta de razões plausíveis, estourava:

– Filho reclama de barriga cheia! No meu tempo, não tinha essa de internet que te dá tudo mastigado, nem de aulas virtuais que te explicam tudo na hora e no lugar que você quiser! Definitivamente, não há motivo pra você tirar notas ruins: só irresponsabilidade mesmo! Essa mamata de só estudar vai acabar e você não dá conta dessa única tarefa que tem na vida?

Relembrar esse discurso hoje me embrulha o estômago. Ainda que chamar filho à responsabilidade pelos estudos seja importante e necessária, reduzir a fase à mera atribuição de boas notas é injusto. Antes de tudo, adolescência é fase de transformação total: física, emocional, psicológica e cognitiva. O exercício, portanto, extrapola o âmbito escolar para dominar (e bagunçar) a vida do adolescente como um todo. A fase é, na verdade, mais complexa do que se crê.

As aparências enganam

Acostumado e também irritado com o clichê, filho estourou:

– Saco, mãe! Filho reclama de barriga cheia… Você acha mesmo que as “facilidades” que diz que tenho hoje resolvem meus problemas com o carinha que me zoa, com a garota que me esnoba, com o irmão que mede força, com o cara que me ignora na fila? Pô, é muita coisa! Depois, ainda tenho que te escutar me cobrando nota como se essa fosse minha única preocupação! Não é, pô!

Antes de tudo, adolescência é fase extremamente difícil pra alguém ainda tão imaturo. A bucólica e simplista memória seletiva confrontada com a dura realidade de ser adolescente me sacudiu: a transformação pela qual adolescente passa vai além do que os olhos veem.

Diante dos conflitos existenciais expostos, percebi sua dificuldade e angústia de ter que lidar com tantas variáveis ao mesmo tempo. Estava perdido e assustado: as notas comprometidas só aumentavam a pressão e a repetição de um clichê injusto. Vida de adolescente parece simples e fácil; mas não é.

Filho reclama de barriga cheia

Afortunados como eu lembram da adolescência com saudosismo. Apesar de suscitar memórias bucólicas na maioria dos adultos, é fase complicada de se viver porque demanda do jovem coragem pra encarar inúmeras questões internas de transformação.

Cada qual, em sua fase de vida, lida com problemas e dilemas proporcionalmente desafiadores. Nem maiores nem menores, são diferentes. Por isso, ainda cobro do filho a importante meta de notas escolares e ele, continua insistindo em estabelecer outras prioridades (aff).

A diferença é que, hoje, sei que filho reclama de barriga cheia de medo de não dar conta dos desafios que o amadurecimento lhe impõe. Ajuda-lo nessa transformação é obrigação minha; por isso, bato e assopro. Afinal, tanto quanto a adolescência, a vida é complexa e cobra resultados. Intimamente repito pra mim mesma: filho reclama de barriga cheia…

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