raiva de mãe

Raiva de mãe: sentimento humano… e traiçoeiro

by Xila Damian

Raiva de mãe pode ser injusta

Várias vezes sinto raiva, inclusive de filho adolescente. Já não me envergonho disso; hoje sei: raiva de mãe é sentimento humano. Isso significa dizer que, apesar de mãe, estou sujeita a sentimentos nem sempre tão dignos assim. Por exemplo: quando filho descumpre acordos por descaso e/ou preguiça, sinto raiva. Aliás, confesso: a procrastinação adolescente tem o poder de me irritar profundamente.

Porém, a “natural” irritação costumava ganhar uma dimensão por vezes exagerada. A raiva despertada pelos furos de filho adolescente passava a uma indignação desproporcional e transformava a situação comum em verdadeira guerra. Passada a tempestade, me sentia profundamente envergonhada e culpada.

Não raro, como em um “transe”, sacava um arsenal injusto e destruidor que resultava em desrespeito e, consequentemente, mágoa e distância:

– Você não saiu com o cachorro!? Será que nem isso pode fazer? É demais pra você? Depois de sair cedo pra trabalhar, ralar feito uma doida sob uma pressão insuportável, volto pra casa e, não contente, tenho que preparar o jantar e fazer mil outras coisas enquanto você sequer saiu com o cachorro? Não aguento mais isso! Tudo eu! Você é muito folgado e egoísta! Não sabe mas a vida vai te ensinar… aí quero ver! – esbravejava.

De uma procrastinação (irritantemente) comum e inerente ao jovem, chegava a uma verdadeira guerra com filho adolescente. A raiva era injustamente despejada sobre quem menos recursos tinha pra lidar com ela.

Hoje sei se tratar de um dos meus gatilhos mentais mas, àquelas ocasiões, era oportunidade de trazer à tona sofrimentos mais profundos, acumulados no dia, quando não, na vida.

O irascível machuca e afasta

Tamanha irascibilidade tornava o sentimento injusto. Descontrolada, perdia a razão e não só passava adiante meus piores sentimentos mas os multiplicava em dor.

Inesperadamente, mudava o foco: em vez de sensibilizar filho à mudança de atitude e ao senso de colaboração, sucumbia ao vitimismo e rebeldia exigindo vingança por sua falta de consideração comigo.

Com meu pior acionado, penalizava filho com socos e pontapés verbais tão e até mais dolorosos que os físicos. Sentindo-se igualmente injustiçado, filho rebatia em autodefesa:

– Mãe, não tenho culpa se você tem problemas no trabalho! Só não saí ainda! Fica louca por nada e ainda vem despejar sua raiva do mundo em cima de  mim! Saco! Não tenho nada a ver com isso, pô!

Qualquer chance de ganhar um mínimo de solidariedade e empatia se esvaía nesse momento. Em vez disso, ressentimento e mágoa que, a cada discussão, não só nos afastavam como também eliminavam qualquer tentativa de mudar o comportamento de filho.

Mães sentem raiva… e daí?

As progressivas discussões primeiro me frustravam; depois, me envergonhavam.  Não entendia bem como chegava àquele nível de conflito mas foi observando que descobri: furos de filho se tornavam válvula de escape aos meus sentimentos de injustiçada.

A partir de um fato (sim, irritante!) mas antes de tudo banal extravasava meus sofrimentos e frustrações sem notar quão injusta estava sendo por isso.

Desapercebidamente, replicava o que me abatia e transformava a relação com filho. Uma vez consciente da permissiva dinâmica, treinei a objetividade, deveras difícil pra mim, confesso de novo:

– Te pedi pra sair com o cachorro e você nem aí! Só “vem a nós”. Quando é pra fazer suas obrigações, nada! Fala sério! Agora nada de esperar: pode ir! – exigi.

Sentir raiva por um acordo não cumprido não é problema. Pelo contrário, é até educativo; nos humaniza e mostra quão irritante e inaceitável é não contar com a colaboração do outro no dia a dia.

Problema mesmo é quando a raiva vira vingança a partir de um “desarranjo verbal” nada a ver com o fato em si. Simples assim.

Raiva de mãe tem porquê

Adolescentes odeiam surtos de mãe. Pra evitá-los até se prestam a fazer o que lhes é ordenado… desde que em seu tempo o que, sabemos, nos tira do prumo.

Levou um tempo mas filho, finalmente, passou a pensar duas vezes antes de não cumprir acordos: a reivindicação passou a ser genuína, justa o suficiente pra lhe cobrar mudança de atitude também.

– Táá, tô indo agora! Senão, já sei: vai dar aquele show de novo e não tô a fim! Saco!

Adolescentes conseguem lidar com raiva de mãe mas não com sofrimento de injustiça.  Pra eles, isso é demasiado difícil, quase impossível de lidar. Por isso, já não me envergonho da raiva que sinto em situações irritantes com filho adolescente. Sinto e a demonstro. A diferença é que, agora, direto e proporcional ao fato, o sentimento é validado porque é genuinamente humano.

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