Rearranjo familiar vai além do direito
Inserir novo parceiro na família é desafio para pais competentes e, acima de tudo, conscientes do processo. Primeiro porque não basta se calcar no “direito” genuíno de recompor a vida sentimental. Há de se conscientizar de que, agora, suas decisões – inclusive as sentimentais – impactam a vida de outros, mais especificamente a de filho adolescente mais complexa e profundamente.
Portanto, inserir novo parceiro na família é muito mais que exercer o genuíno direito de reconstruir a vida sentimental: é, antes, conduzir delicado processo de rearranjo familiar (e territorial!) com filho adolescente. E isso inevitavelmente passa por considerar (e respeitar!) todos os atores desta complicada dinâmica; inclusive os “indiretos”.
O desafio de inserir novo parceiro na família não se restringe à decisão dos pais: se estende ao filho invariavelmente levado a aceitar e receber novo integrante em território, na maioria das vezes, avariado por dores de perdas anteriores.
Em cenário tão sensível nada mais óbvio, portanto, atentar para detalhes por vezes negligenciados pelos pais. Refazer a vida, rearranjar a família, ser feliz é sim direito – de todos, a propósito – mas não significa franco acesso. Por envolver sentimento de outros envolvidos, ampliados pelo/s filho/s, demanda cuidados extras sob o risco de detonar relações e vínculo familiares. Para sempre.
Sob a perspectiva de filho adolescente
Quando nos tornamos pais, deixamos de viver para nós mesmos. A lente individualista é subitamente ampliada e nossas escolhas ganham novo peso e impacto na vida de outros. Especialmente na vida de filho. Nada mais natural, portanto, que ao inserir novo parceiro na família deixe de ser exclusivamente “direito” e vire responsabilidade ainda maior… com muitos.
Reconstrução familiar é processo delicado e, assim sendo, precisa ser bem formulado; sobretudo, bem conduzido. Não à toa, portanto, exija pais competentes para assumir a perspectiva de filho e compreender que a dinâmica sentimental não é exclusividade deles mas de toda a família.
Natural que filho – especialmente adolescente, creio – se sinta inseguro de receber novo parceiro na família. “Perder território” com os pais é sim ameaça; real e, por vezes, prática. Medo e ciúmes são, de fato, potenciais detonadores de atitudes controversas. O desconforto de uma vida, de novo, involuntariamente desorganizada ou minimamente alterada, deixa os envolvidos mais uma vez vulneráveis.
Como se não bastassem os naturais conflitos da adolescência, filho se vê forçado a lidar com desafio adicional de receber novo parceiro na família alheio à sua capacidade emocional. Portanto, não se trata exclusivamente de direito mas de como exerce-lo de forma digna e respeitosa com quem, ao contrário do parceiro, sempre fará parte de sua vida: filho.
Sob a perspectiva dos pais
Inserir novo parceiro na família é mexer em território restaurado e redesenhado pela familia com muito esforço. É remexer memórias afetivas por vezes dolorosas e que, por isso, custaram muito empenho pessoal para superar. Como qualquer terreno sensível, portanto, a chegada de novo parceiro demanda competência dos pais para minimizar danos e riscos por vezes irreparáveis.
Pais ávidos por uma nova vida sentimental se atrapalham ao inserir novo parceiro na família. Atabalhoados e ansiosos para concretizar a nova perspectiva de felicidade, se apegam ao “direito de”; autocentrados, ficam cegos e assustadoramente esquecem: o processo de reconstrução sentimental agora é familiar, não mais individual.
O assegurado “direito de viver a vida” normalmente leva pais a negligências perigosas como, por exemplo, minimizar o impacto de sua decisão na vida do filho. Dentro de uma bolha egoísta e desvirtuada, o território familiar perde a firmeza, fica ameaçador e potencialmente infrutífero; para todos até para o novo parceiro.
Inserir novo parceiro na família é processo
Uma amiga assumiu novo parceiro na família e, recorrendo ao “direito de ser feliz” – como dizia – caiu na cilada de negligenciar detalhes vitais ao processo de reconstrução sentimental. Sob ardente e impetuosa paixão, esqueceu de repactuar o amor e a confiança familiares dando ao processo a objetividade e o simplismo de pais inconscientes da complexidade da decisão.
Não demorou e a natural insegurança de filho adolescente virou resistência que virou conflito que virou relação insustentável para todos. O território familiar, restaurado de uma separação conturbada, mais uma vez se desgastou restando-lhes relações minadas e frustrações profundas. O novo amor não resistiu e o direito de ser feliz virou nova ferida; para toda a família.
Minimizar conflitos vividos por filho adolescente nesta dinâmica é se colocar alheio ao processo de mudança que vai além do fato de inserir novo integrante no núcleo familiar. Adolescente sente natural contrariedade de aceitar novo parceiro na família. A principio, age como que em terreno minado, teme perder espaço, atenção e amor; sente seu lugar e importância na vida dos pais ameaçados e, por isso, precisa ter seu pacto com pais assegurado e confirmado.
Assim escutei o desabafo da amiga:
– Não é justo! Daniel era super amigo dele, o tratava como filho… Não entendo porque tanta insegurança! Sempre fui ótima mãe; sou jovem, tenho direito de reconstruir e decidir minha vida! Que saco! Que mal há em se apaixonar de novo e desejar novo começo?
Diante de sua frustração, desejei conforta-la; mas não pude me furtar de algumas reflexões. Cega e afoita, não enxergou além; foi displicente e caiu nas habituais ciladas. O insucesso do “renovo” afetivo, contudo, lhe dava lições. Cabia, então, ajuda-la a enxergar sob perspectiva mais ampla e prática com a familia. Quem sabe assim, faria diferente em uma próxima vez? Quem sabe, enfim, agindo de forma competente a chance de inserir novo parceiro na família com sucesso seria mais seguro e digno para todos?
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Processo para pais competentes
Diferente de como pais normalmente pensam, inserir novo parceiro na família não tem a ver com “direito” individual mas com sentimento dos envolvidos que vai além do novo casal. Considerar os atores indiretamente envolvidos na decisão de receber novo integrante é, portanto, atitude de pais conscientes; mais que isso, pais competentes.
Fomos criados para a felicidade e plenitude… mas não a qualquer preço. A forma como buscamos a felicidade nos difere e reforça nosso caráter. Portanto, cuidar dos sentimentos e do vínculo com filho precisa “entrar na conta” da decisão de reconstruir a vida sentimental.
Ainda que desafiador para pais (e filhos!), inserir novo parceiro na família é possível e saudável… desde que respeitado e acolhido o direito de filho adolescente também se incomodar com a situação. Gostando ou não, é responsabilidade dos pais conduzir este processo com a atenção e cuidado devidos, repactuando e constantemente assegurando o amor e o lugar do filho em suas vidas.
A vulnerabilidade de filho é real. Portanto, encaremos o fato com mais amor e menos pragmatismo. Reconfiguração familiar de sucesso demanda atenção redobrada sobre sentimentos; tanto do casal como dos “indiretamente” envolvidos que, na verdade, são tanto quanto aqueles.
Portanto, antes de reclamar ou exigir ou até se calcar no incontestável direito de ser feliz, lembremos de um detalhe primordial: reconstrução sentimental e familiar é mais que um direito individual; é renovar pacto inquebrantável de parceria e vínculo com filho. Difícil, sim… mas quem disse que seria fácil?
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