Sobre pedir desculpas
Para muitos, pedir desculpas é ato de submissão e, por tabela, atitude de fracos. Para outros, é esforço desnecessário dada a arrogância ou incompetência de quem tem se vê na dificuldade de tamanho gesto.
Raramente vejo pais ensinando filho à nobre atitude de pedir desculpas. Não digo aquele ato politicamente correto e socialmente promovido quando cometemos erros ou enganos corriqueiros de um nome errado ou má interpretação de algo.
Digo daquele devido e arduamente aprendido pelo sincero exercício de pedir desculpas por uma ofensa cometida ao outro e que, invariavelmente, experimentamos e na maioria das vezes nos eximimos de retratação.
Depois de muitos conflitos vividos com familiares e amigos aprendi a importância do pedir desculpas. Por experiência e ressentimento próprios descobri o poder que um pedido de desculpas consciente e sincero tem de curar feridas e restabelecer relacionamentos.
Não à toa, hoje, em meio a tantas exigências de um mundo automático e ligeiro não me furto de ressaltar a filhos adolescentes: pedir desculpas é atitude madura dos fortes que reconhecem sua fragilidade e se empenham em ser pessoa melhor.
A humanidade perdida
Por orgulho ou por incompetência pedir desculpas por más atitudes e palavras mal ditas foi lição aprendida às custas de muitos conflitos familiares dolorosos. Com o tempo, as feridas cresciam e as discussões cada vez mais contundentes as aprofundavam de modo que uma falha logo se tornava mágoa e ressentimento.
Iniciada por uma divergência de opiniões progressivamente virava discussão acalorada entre interlocutores ensimesmados e apegados às próprias ideias. Insensíveis à escuta o que seria diálogo virava monólogo apaixonado até o embate recheado de palavras mal escolhidas dominar o ambiente. Resultado? Mágoa e rancor.
Dentre várias situações, uma foi especialmente marcante porque dela me dei conta de minha inabilidade de pedir desculpas por limites ultrapassados. Dali passei a notar quão despreparados – e soberbos – somos por desprezar importante passo de desenvolvimento pessoal.
Saber pedir desculpas é se redimir das ciladas que invariavelmente caímos quando inconscientes de nossos comportamentos. Reparar-se do mal dirigido a outro é, antes de tudo, atitude nobre… e devida! Especialmente neste mundo tão necessitado de indivíduos sensíveis e humanos ao outro.
Pedir desculpas é saldar dívidas
Irmã caçula de seis irmãos, naturalmente tive muitos pais e mães dentro de casa. De certa forma mimada por tantos pais e mães ganhei, de um jeito ou de outro, respaldo em situações de conflito com meus pais “de fato”.
Cresci em família amorosa e, pelo exemplo, me sentia no dever de corresponder a tamanho esmero. Assim, fui criança amável, delicada e correspondi ao esperado “exemplo” de comportamento.
Não à toa me tornei menina e adolescente tímida e, por tabela, sem motivos práticos que me exigissem aprender a pedir desculpas. Isso porque raramente assumia atitude contrária ao que se entendia por boa educação e tampouco contestava opiniões que me envolvessem em embates.
Erros eram subliminarmente admitidos como falhas normais, portanto perdoáveis ainda que não o pedido não acontecesse. Sem dramas ou retratações “oficiais” eram jogados pretensamente desculpados como quem joga sujeira para baixo do tapete, ou seja, superficialmente perdoados.
O tempo passou e a timidez exigiu-me aprender a me posicionar. Do contrário, seria “engolida” pelos mais “fortes”. Assim, adotei a assertividade como característica de autodefesa que, inflamada, me induzia a erros maiores e conflitos mal resolvidos.
Excessos provocados por palavras mal ditas e atitudes precipitadas causavam verdadeiro caos em família. Discussões acaloradas, fruto de diálogos inicialmente frugais, subitamente destampavam a panela de pressão da arrogância e acabavam por promover profundos danos à minha relação com filhos e familiares.
A pergunta não calava
Nas discussões mais acirradas, por exemplo, era comum ser criticada a partir de um rótulo involuntariamente conquistado: individualista. Passado o calor das emoções em ebulição, era também comum escutar a palavra ecoando em minha mente:
– Por que ela sempre diz isso? – perguntava a mim mesma. – Saco! Por que ganhei este título, afinal? Que situação foi motivo pra ser chamada assim? – repetia cada vez mais ressentida com a má qualificação.
Fora da cartilha familiar
A irmã acusadora se tornou melhor amiga na fase em que a diferença etária deixa de ser um empecilho para virar ponte entre adolescentes. Porém, a amizade não nos poupou de brigas e confusões. Pelo contrário: dela escutava a reiterada alcunha até então injustificada.
Sentia-me injustiçada pela crítica comumente reafirmada especialmente em momentos de desavença. Desconhecendo o motivo do insistente estereótipo de individualista, sentia-me cada vez mais cutucada e, com o tempo, ferida.
Pedir desculpas não fazia parte da cartilha familiar. Conversar, ou até discutir francamente sobre incômodos e feridas mutuamente causados era tabu. Assim seguíamos a vida depois dos conflitos e, sem retratações, as feridas abertas se tornavam ainda piores e mais dolorosas.
Seres ensimesmados
O ser humano erra e magoa mesmo que involuntariamente. Nessas horas, pedir desculpas ajuda – muito! – a nos reparar das mágoas eventualmente causadas. Mas estamos tão ensimesmados que nos tornamos senão insensíveis, despreparados para nos relacionar com o outro de forma saudável.
Atropelamos o tempo do outro, descompassamos seu ritmo. Ofendemos sem querer, culpamos sem notar, erramos sem saber… e nos importar. Sem cerimônia, nos eximimos de aprender a nobre atitude de pedir desculpas pelos danos que causamos voluntariamente ou não ao outro.
Causamos dor sem nos darmos nem prestarmos conta de nossas controversas atitudes. Despreparados não ensinamos filho a importância de um pedido de desculpas frente a um invariável erro. Inábeis formamos novos adultos velhos repetindo erros sem pedir desculpas por tamanha indiferença.
A verdade sobre pedir desculpas
Decidi descobrir – e destruir – a raiz daquele desconcertante rótulo encarando de frente a mágoa há anos acumulada sob crítica velada. Às custas de muita insistência e promessas de contínua amizade, finalmente abriu seu baú de mágoas escondidas por trás do título a mim dado.
O relato de uma situação vivida décadas antes me fez enxergar além de mim e concordar que, de fato, a havia ferido. Desapercebida e involuntariamente mas, sem dúvida, profundamente o que, sem pedir desculpas, ampliou sua dor ano após ano.
A partir de um fato mal vivido e não corrigido, ambas acumularam saldo negativo de velado rancor continuamente reforçado por rótulos e críticas dolorosas. Feridas expostas e faltas reconhecidas, finalmente reparamos nossos erros mutuamente nos desculpando pelas feridas mal tratadas por total inabilidade de pedir desculpas.
Naquele dia, descobri a importância – e como – pedir desculpas com sincero arrependimento; enxerguei a superioridade da humilde reparação sobre a alienante arrogância. Aprendi que erramos mas não somos nossos erros.
Por isso, não importa o esforço descomunal ou a dificuldade que sentimos para pedir desculpas: aprendamos e ensinemos esta importante prática. Vivemos de relações e, ao contrário do que muitos julgam, fortes os competentes nesta habilidade: tem a vantagem de ser adulto diferenciado neste mundo tão insensivelmente ensimesmado.
Leituras sugeridas: Legado para filho adolescente, Discípulos de um mundo ensimesmado, Criando filho diferenciado
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