Cobrança na adolescência: Quando a régua alta herdada dos pais se torna um fardo pesado demais para o filho
Pais podem levar filho adolescente a viver a angústia da busca pela perfeição
A cobrança na adolescência acontece de diferentes formas. Uma delas e bem conhecida é a cobrança de resultados escolares. Associamos “aluno-nota10” à idéia de perfeição e, por isso, o reconhecemos por ser nota10. O reconhecimento dos professores, o orgulho dos pais e o olhar diferenciado dos amigos lhe dá a segurança de sentir-se aceito mais pelas notas alcançadas do que por ser quem realmente é.
A idéia de que “ser nota10” é tudo de bom, esquecemos que aquele jovem também possa viver as angústias de aceitação na adolescência. Apesar de seus destacados resultados, não percebemos o alto grau de exigência que o aluno nota10 estabelece para si mesmo. A régua da perfeição o consome e a auto-cobrança na adolescência se torna um fardo.
O “aluno-nota10” sofre sozinho a pressão de manter-se perfeito. Vulnerável, teme o risco de perder o reconhecimento conquistado; perder o título de “melhor da turma” é um fardo pesado demais.
Remetia o peso deste fardo às expectativas ou espelhamento de pais exigentes e/ou intransigentes. Porém, conhecendo diferentes histórias de famílias com questões similares percebi: até mesmo inconscientemente estabelecemos réguas altas aos nossos filhos e sem notar, os fazemos sofrer a angústia da busca pela perfeição desde muito cedo.
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Cobrança na adolescência começa pelos pais: verdade ou mito?
Encontrei uma amiga e, curiosa sobre sua vida, pedi-lhe notícias atualizadas. Ao falar de sua filha única de 7 anos, dividiu não só as novidades mas também suas preocupações:
– A Duda está ótima! Aluna aplicadíssima, só tira 10! Um boletim maravilhoso que nunca tive na vida. Mas, não sei o que acontece: se tira 9,5, ela chora compulsivamente se desmerecendo. Entra em um desespero assustador! Nunca exigi dela nota 10 nem qualquer outra! Não sei o que fazer porque vejo que sofre com isso. Quando tento acalmá-la, ela responde entre soluços: “Você não entende! Saco!”
Após a surpresa do uso da tal “palavrinha” tão cedo (o que será quando chegar à adolescência?)), voltei a ater-me à história. Logo me lembrei de caso parecido em uma das reuniões de pais na escola em que a mãe de aluna-nota10 narrou a mesma relação entre aluna e nota escolar: “… se a Mari tira 8-9, é a morte!”.
Assustada, continuei a conversa na expectativa de descobrir algo que pudesse ajudar aquela amiga a encontrar uma saída para a situação. À primeira vista, a cobrança não vinha dos pais (“nunca exigi dela…”) o que, inicialmente, jogou por terra a idéia de que pais são os “culpados” pela cobrança na adolescência. Será que estava enganada esse tempo todo?
Quando vivi o ditado “Filho de peixe, peixinho precisa ser”
A angústia das notas abaixo da média do meu filho adolescente me dominou por um bom tempo. Porém, quando tornei a cobrança na adolescência em acolhimento, independente de seu resultado, descobri o caminho de como ajudá-lo a formar sua identidade. De preferência, tolerante ao insucesso.
Por dois anos, sofri pelos resultados escolares pífios do meu filho. Escutar os elogios rasgados aos alunos-nota10 e notar a grande maioria de alunos medianos sendo relegada a segundo plano nas reuniões de pais me angustiava: e os alunos “esforçados” que se superavam?
A angústia aumentava e a relação entre meu filho adolescente e a escola piorava: a ansiedade de conquistar nota alta, a frustração de não atingir o resultado esperado e, por fim, a falta de reconhecimento por seu esforço vinha de todos os lados.
Cansada desse ciclo vicioso, tentei nova saída; comecei por uma auto-avaliação, o que tentava fazer com aquela amiga também. Descobri que eu mesma traçava e adotava uma régua alta para mim mesma; Por osmose, impunha a responsabilidade (e o peso!) da mesma régua ao meu filho adolescente.
Desconsiderando sua individualidade e personalidade, suas qualidades e limitações, meu parâmetro virou cobrança na adolescência do meu filho. Naquela ocasião, vivi o ditado: “filho de peixe, peixinho precisava ser.”
O Ditado de Hoje: “Filho de peixe poderá ser o que quiser”
Crescer no meio de irmãos “maravilhosos”, “inteligentíssimos”, “crânios”, verdadeiros alunos-nota10 me trouxe o fardo de querer ser como eles. Como ótimos exemplos dentro de casa, me espelhava neles. Porém, não era como eles e o que poderia ser inspirador, passou a me frustrar. Junto com a frustração, veio a baixa autoestima, as notas de pouco destaque.
Nunca fui cobrada por notas escolares. Meus pais me educaram desde cedo a ter autonomia e se colocavam à disposição se necessário. Fui aluna de 7-8; portanto, mediana como a maioria de uma turma. Por mais que me esforçasse, aquele era meu resultado e isso me frustrava.
Meu filho adolescente foi aluno abaixo da média e meu ego se angustiava com isso. A expectativa por notas altas do meu filho adolescente me mostrou a cobrança velada de “ser nota10”, o que nem eu fui capaz de ser. A auto-cobrança na adolescência foi transferida prá ele.
Ao perceber meu erro, precisei enxergar meu filho como indivíduo diferente de mim, entender sua “dinâmica”, conhecer suas aptidões, anseios e limitações. Hoje, reescrevo o ditado definitivamente: “filho de peixe poderá ser o que quiser.”
A nova e definitiva régua da qual pais nunca devem abrir mão
Ao conhecer meu filho adolescente e aceitá-lo como é, dei-lhe a tranquilidade de ser quem é, independente de seu título escolar, nota10, mediano ou abaixo da média. Fortalecido, ganhou recursos para escrever sua história com diferentes possibilidades, não mais limitadas à minha régua. Diferente de mim, formava sua própria identidade.
Cobrança na adolescência é necessária mas nem sempre justa. Também somos analisados e avaliados por nossos filhos a todo momento. Importante, portanto, demonstrar nossa aceitação sem rótulos e com seus insucessos, independente das notas escolares.
Aquela amiga descobriu a raiz de seu próprio problema e começou seu exercício; no caso dela, mais cedo do que se imaginava. O que importa é fazer filho saber que ele é único e especial para mim, ainda que não o seja para o mundo… nem prá escola. Esta sim é a nova e definitiva régua da qual nunca abrirei mão.
4 Comments
Oie, adorei o texto, vivemos, eu, Gi e JP, constantemente está minha regua imensa. Por varias vezes me pego nas cobranças inalcançáveis, sem levar em questão a idade deles.
Qdo percebo a tempo corrijo. Qdo não, culpada, vejo a decepção no olhar dos dois. Às vezes por medo do mundo que hj cobra tanto dos adolescentes, exijo, na tentativa de prepará-los, acabo antecipando angústias.
Mas seguimos melhorando.
Bj
Sei como se sente. O importante é estarmos abertas a ler filhos sob diferentes ângulos e aceita-los como são. Somos todos imperfeitos. Premissa que precisamos aceitar; depois, a de que estamos sempre aprendendo. Inclusive com filho adolescente, fonte de exercício de aprimoramento e evolução para pais.
obrigada por compartilhar sua historia. bj.
Adorei! Qualquer semelhança é mera coincidência! Vou adotar essa frase como mantra: Filho de peixe pode ser o que ele quiser! Obrigada por TUDO!!!
😍😘