É preciso cicatrizar feridas
A dor da perda de um ente querido é indescritível e única. Cada um vive seu próprio drama pessoal ao passar pela dura experiência que, muitas vezes, pode se tornar insuportável. Viver o luto na adolescência é potencialmente pior: na fase de profundas mudanças físicas e emocionais essa dor pode trazer sequelas para uma vida inteira. Portanto, temos que falar sobre o assunto. Literalmente.
O jovem que vive o luto na adolescência sofre a confusão emocional com maior risco de se afogar em distúrbios, isolamento, depressão. Por sentir-se desamparado e só, perde facilmente o sentido da vida. Os sentimentos que emergem não diferem muito dos de um adulto; porém, a forma como lida com o luto em sua imaturidade e auge de transformação pode determinar o adulto que se tornará.
Superar o luto na adolescência exige conversa sem prazo para acabar, ouvidos para escutar e confiança para falar aberta e honestamente sobre a confusão emocional pela qual o jovem passa. Afinal, a dor da perda de um ente querido abre feridas e, para cicatrizá-las, é preciso usar o remédio certo.
Ajude com o remédio certo
Vivi perdas desde cedo. Se por um lado sofri, por outro aprendi a lidar com a dor sem “bengalas” emocionais. Encarando o fundo do poço, afundei para emergir e, sem amarras, seguir a vida. Pra isso, precisei de apoio para reunir coragem e força para fechar a ferida.
Na adolescência, o jovem emocionalmente imaturo e vulnerável vive maior risco de falhar nessa experiência dolorosa de perda. Se a jornada de ser adolescente já era difícil, se deparar com a morte de um ente querido no caminho complica ainda mais este processo de formação e amadurecimento da própria identidade.
Estar junto do adolescente nesse momento crítico é crucial e pode ser determinante para seu futuro. Por isso, pais, amigos e familiares: ajudem… com o remédio certo.
Agindo rápido para evitar o desvio
Desde cedo busquei dar a filho a segurança necessária para se desenvolver integralmente de forma saudável até a “fortaleza” física e emocional cuidadosamente construída desde sua infância ser tremendamente ameaçada pela experiência do luto na adolescência. Como um castelo de areia, sua vida parecia se desmoronar por completo.
Sob um turbilhão de emoções negativas, filho se sentiu perdido. Não as reconhecendo, viver a dor dilacerante da perda de um ente querido pareceu ser impossível, pesado demais para seus ombros ainda frágeis. Precisei, então, agir rápido o bastante, antes que a traumática experiência o desviasse de seu caminho e de onde temia não conseguir recuperá-lo.
Sendo a dor inevitável, que valha a pena
Antes de qualquer coisa, a morte de um ente querido conscientiza. Ironicamente, nos tira do prumo para nos situar sobre nossa impotência diante da vida. Tamanha vulnerabilidade assusta e descobrir-se impotente na fase em que se sente dono do mundo é aterrorizante para o jovem. Suas verdades e certezas se esvaem, o mundo fica ameaçador.
Diante de uma vida agora insegura e incerta, o adolescente perde sua onipotência e, não raro, sua alma enfraquece. Como consequência, pode adotar comportamentos permissivos e auto destrutivos. Portanto, lidar com o luto na adolescência requer tomar o remédio certo que começa, impreterivelmente, pela conversa aberta e honesta sobre si mesmo.
Dentre tantas formas de viver o luto na adolescência, expor a ferida é, se não a melhor forma, o começo mais eficaz de uma boa cicatrização. Sem prazo de validade, o tempo de cada um varia. Portanto, pacientemente, mantenha-se perto e disponível para ajudar nesse processo . Sendo a dor inevitável, que pelo menos valha a pena.
O remédio certo é outro
Perdi uma amiga, mãe de dois jovens. Ainda que sua saúde debilitada prenunciasse sua morte, nutríamos esperança de cura. Perdê-la não foi nada diante da dor que vi estampada no rosto assustado de seus adolescentes. De alguma forma, reconheci aquele semblante e temi por eles.
Passados dois anos, reencontrei a família. O primogênito logo me sacou um beijo carinhoso. Porém, bastou lhe perguntar “como vocês estão?” para confidenciar:
– É tia… o Dado anda muito quieto. Se enfiou no game e não consigo tirá-lo de lá. Outro dia, tava na cama da mamãe. Sempre conto uma piada ou uma história pra distrair mas dura pouco… e, de novo, volta a ficar quietão. Um saco isso!
Distrair-se para esquecer a dor é uma das tentativas mais comuns – e ineficientes – de viver o luto na adolescência. Prova disso eram assistir aqueles dois jovens sozinhos e inexperientes lutando com suas indefesas e únicas armas sem saber que o remédio certo… era outro.
Luto na adolescência e o remédio certo
Viver o luto na adolescência é dilacerante e desorganiza ainda mais o jovem naturalmente “bagunçado”. O caos interno demanda esforço extra quando o momento é de escassez… total.
Nesse hiato, pais podem e devem ajudá-lo a se reorganizar internamente e, creia, conversar sobre o fato abertamente é o primeiro e crucial passo para lidar com o luto. Porém, como fazê-lo é igualmente importante para potencializar e transformar a simples atitude em remédio certo:
1- Fale sobre a morte e todas as emoções que ela suscita em você; desmistifique a ideia de morte a concretizando. Isso ajuda a quebrar o tabu e, aos poucos, reduz o medo e a ansiedade da falta do ente querido.
2- Refira-se à pessoa falecida pelo nome e com naturalidade. Sua ausência física não a anula de sua vida. Portanto, fale dela pelo nome.
3- Use frases de apoio que estabelecem empatia e segurança, tais como “sinto muito”, “estou contigo”, “você não está só”, “entendo sua dor”.
4- Escute e acolha pacientemente tanto o silêncio como as palavras de rebeldia. O importante é estar disponível de verdade, independente da reação do outro e firmar uma relação de confiança e cumplicidade entre vocês.
5- Permaneça disponível e atento por prazo indeterminado. O tempo passa, a vida segue, as pessoas retomam sua rotina. Porém, o processo do luto continua e o jovem precisa de você por perto para avançar nas fases. Portanto, sem prazo de término, mantenha-se presente e ativo em sua vida mesmo sem ser chamado. Até porque ele dificilmente fará isso.
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A vida ganha novo sentido
Viver o luto na adolescência é exercício dos mais difíceis para o jovem. Transformar a ferida aberta em cicatriz nessa fase já tão naturalmente complicada demanda força em momento de escassez. Por isso, se a dor da perda de um ente querido lhe for imposta pela vida, não hesite em ajuda-lo com o remédio certo.
O processo pode ser longo e doloroso mas, quando bem vivido, transforma. A vida ganha novo sentido o que, para o adolescente, pode se tornar fortalecimento. A cicatriz vira memória; já não sangra mais.
E vai um alerta, pais: viver o luto na adolescência é potencialmente pior que em outra fase da vida. É cientificamente comprovado que adolescentes são muito mais vulneráveis a traumas por sua imaturidade emocional e biológica. Portanto, não hesitem em buscar ajuda de um profissional em caso de necessidade aparente ou não; a experiência merece toda nossa atenção… e ajuda.
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[…] foi só uma das inúmeras inquietações que me assombrou quando a perdi. Especialmente porque ainda era jovem , quando apreensões como esta são típicas de quem se vê – e imagina – para sempre […]