Lembro com sorriso no rosto o tempo em que era chamada de “chaveirinho” por minha mãe. Assim apelidou sua companheira de rotina diária. Em eventos sociais ou familiares, lá estava eu a tiracolo, seu chaveirinho fazendo-lhe companhia. Até que, um dia, virei adolescente independente e, então, o chaveirinho ganhou nova forma.
Chaveirinho de mãe
Também tive meu chaveirinho que, alegre e prontamente, logo se apresentava como companhia em minha agenda diária. Bastava anunciar o compromisso e lá estava ele a postos para me seguir onde fosse:
– Vou ao supermercado!
– Vou com você, mããe! – sempre gritava de onde estivesse.
Assim era em todas ocasiões:
– Vou ao banco!
E me esperando pronto à porta logo dizia:
– Vou também!
Não importava o compromisso: meu chaveirinho simplesmente apreciava me acompanhar; inclusive nas mais enfadonhas tarefas domésticas.
O adolescente independente
Não lembro exatamente quando o chaveirinho me deixou mas a adolescência contribuiu pra isso. Hoje, adolescente independente – como ele mesmo costuma afirmar – tem compromissos próprios onde mãe, na maioria das vezes, não se encaixa.
Assim a “parceria” mudou. Programas até então “tentadores” deixaram de atraí-lo:
– Vamos ver aquele filme que estreou no cinema?
– Quero não… – imediatamente respondia desinteressado.
– Topa um lanche?
– Agora não dá, mãe. – assim declinava.
Passei, então, a apelar e, sem cerimônia, a tentar incrementar convites simples com toques às vezes até subversivos:
-Vamos ao cinema? Depois te pago aquele lanche que tanto gosta!
– Vamos ver aquela prancha de surf que queria? Depois podemos almoçar por ali mesmo; que tal?
Nem assim. O chaveirinho definitivamente mudou; seus interesses, idem. Desapegado e “independente”, passou a recusar minha até então assídua companhia e atenta disponibilidade. O programa de mãe e filho foi ficando cada vez mais escasso enquanto a frase-mantra, mais frequente:
– Não, mãe! Que saco!
Nova estratégia de mãe de adolescente
Carente e, confesso, temerosa de perder o chaveirinho de todas as horas, resisti não só ao desânimo como também à resignação. Em vez disso, tentei nova estratégia:
– Vou ao shopping comprar um presente!
– Opa! Pra mim? – respondeu de longe.
– Não… pra mim!
Àquela altura já de dentro do quarto, ecoa a despedida:
– Isso aí! Beijo, mãe! Divirta-se!
Surpresa e frustrada, decidi não me deixar abater. Recuperada da inesperada reação de filho, segui firme no plano de… não me abater e, quem sabe, até me divertir.
Mãe e filho independentes
O aparente fracasso, de repente, se transformou. A experiência de sair sozinha sem meu habitual chaveirinho me levou a novas descobertas. Abandonei o inicial – e nocivo – espírito de abandono, usualmente experimentado em situações como esta com filho independente. Em seu lugar, assumi lente diferente: a que enxerga oportunidades até em situações como esta.
O pretexto usado para atrair meu adolescente independente não surtiu o efeito esperado mas outro melhor emergiu: a satisfação pessoal de me descobrir boa companhia para mim. A experiência de não mais contar com meu chaveirinho me levou a redescobri o prazer de ser independente.
Relaxei, descartei pensamentos e sentimentos vitimistas. Presenteei-me como há tempo não fazia. Revigorada da inicial frustração, voltei pra casa com assuntos diferentes, histórias novas, descomprometidas quase banais. A leveza do momento evidenciou meu contentamento e… atraiu o interesse de filho.
A liberdade de mãe por anos abafada despertou o espírito de independência escondido e desconhecido a filho. Virei a chave junto com filho adolescente reaprendendo a também ser independente.
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Independente de filho
Tempos depois, anunciei minha saída para os costumeiros afazeres domésticos sem qualquer expectativa de companhia. Aprendera a viver sem meu chaveirinho e livre das frustrações decorrentes da novidade.
Surpresa foi vislumbrar então inesperados resquícios do chaveirinho ressurgidos em um lapso de raro interesse de filho agora independente de mãe:
– Peraí, mãããe! Vou com você!
O adolescente independente de agenda própria escolheu me acompanhar. Não mais como chaveirinho carregado mas como filho adolescente que opta por minha companhia – por qual motivo for. De repente, uma nova versão de mãe e filho nasceu: ambos livres e em uma dinâmica apenas diferente de antes.
Por uma jornada feliz
De fato, a relação mãe e filho na adolescência muda bastante e, ainda assim suscita ricos aprendizados e valiosas memórias: de uma lente diferente da fase anterior, continua ensinando que ser mãe exige crescer continuamente e junto com filho.
Finalmente consciente das mudanças – invariavelmente naturais! – deste processo de amadurecimento, hoje recordo o tempo de chaveirinho como parte alegre e curiosa de uma longa e frutífera jornada de desenvolvimento mútuo. Enfim descobri: posso ser feliz também... independente de filho.
Leituras relacionadas: Longe de filho na quarentena, Síndrome do ninho vazio, Rei Leão para pais de adolescente
2 Comments
Xila querida, passei aqui para ler os posts que faltavam e posso te dizer que você está ainda melhor a cada dia!!! Fico impressionada com a facilidade com que você me leva do riso quase à lágrima, com um texto de leitura deliciosa e de conteúdo impecável. Parabéns, minha linda! Beijão
😘😘😘 obrigada!😘😘😘