Generalizar adolescentes da era digital induz ao diagnóstico de fobia social na adolescência
Muito se fala do quão antissocial o adolescente de hoje é. Além das preocupações comuns a pais de adolescentes, vivemos sob o fantasma do mal que a tecnologia é a causa da fobia social na adolescência. A inovação tornou-se o novo (e desconhecido) inimigo da educação de adolescentes. Inconscientemente, incutimos nela toda nossa incapacidade de tratar a raiz de nossos problemas de como lidar com filho adolescente.
A falta de diálogo com filho adolescente me levou a culpar o uso excessivo da tecnologia pelo mau relacionamento estabelecido entre nós. O isolamento social e a alergia aos pais “encaixaram” no meu diagnóstico de que havia perdido meu filho para a tecnologia. Inadvertidamente, julguei que sofria de fobia social na adolescência graças ao seu profundo interesse pela tecnologia.
Desconsiderando sua personalidade e traçando expectativas irreais, desenhei um retrato do meu filho adolescente incondizente com seu perfil. Também fui adolescente tímida. Porém, ao contrário do meu filho, fui seguidora de uma mãe de personalidade forte que assumia a dianteira de minhas necessidades, me tornando uma adolescente dependente e de pouca voz.
Minha história mudou quando saí de casa para fazer faculdade na capital. Hoje, enxergo no filho adolescente algumas das ciladas que vivi e tento evitá-las. Dentre elas, a de crer que jovens, em geral, sofrem de fobia social na adolescência.
Aprendi a relativizar afirmações generalistas sobre a geração atual contemporizando, um meio de atuar de forma menos dramática e mais assertiva no meu relacionamento com filho adolescente.
Pensava já conhecer o adolescente diante de mim
Perdi a conta das vezes que sugeri até insistir (e exigir!) com meu filho:
– Filho, que tal marcar um cinema com Fred? Quem sabe uma saída prá tomar um ar, conversar com amigos…
– Tá… vou ver… – respondia desanimado.
– Então liga prá ele! Assim dá tempo de planejar, combinar… insistia na tentativa garantir tal saída e tirá-lo do isolamento que julgava viver.
– Mãe, já disse que vou ver… Que saco! – replicava impaciente e irritado.
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Fred foi um amigo de escola desde cedo: mesma turma, mesmo grupo e, por um bom tempo, mesmo parceiro de atividades e saídas. As famílias se conheciam e, por isso, Fred foi uma das várias referências de amizade do meu filho desde a infância.
O tempo passou, a adolescência chegou, os interesses mudaram e o grupo idem. Salvo alguns amigos que permaneceram, outros ficaram prá trás, na lembrança. Os interesses mudaram e, naturalmente, as rodas de amigos diversificaram, novos “nichos” surgiram; dentre eles, o da internet.
Meu filho tornou-se gamer, o que por si só me exigiu um super desapego ao conhecido e às minhas próprias expectativas. Antes dessa transformação, confesso ter caído em inúmeras ciladas que hoje entendo claramente: não conhecia meu filho.
A adolescência trouxe transformações que não enxerguei. Apegada à personalidade infantil e às minhas próprias experiências, não acompanhei a transformação quando começou. Acreditava que já o conhecia bastante para enxergá-lo também como adolescente.
Entender o adolescente da era digital é encontrar um caminho
Enquanto deixava os esportes que tanto dominou em sua infância e se desinteressar gradualmente das atividades que por anos se dedicou, meu filho entrava na adolescência cada vez mais fascinado pela tecnologia. Ao mergulhar em seu mundo tecnológico, me apavorei sem saber como lidar com a era digital tão diferente da era que conheci.
Minha angústia certamente é a de tantos outros pais de adolescentes de hoje. Inegável o impacto que a nova e desconhecida inovação causou nas famílias. O distanciamento físico, a reclusão no quarto que se tornou um verdadeiro quartel-general (QG). A alergia ao convívio pessoal fortaleceram minha crença de que se tratava de caso “típico de fobia social”.
O medo de meu diagnóstico me despertou para a ação: em sessões com escola, com psicólogos, conversas com mães e parentes de adolescentes, todos foram unânimes: “a internet é a culpada pela fobia social que assola nossos adolescentes e estamos aprendendo como lidar com isso” escutei de um educador.
Aquele desabafo me marcou. Cansada das tentativas frustradas de “forçar a barra” e estimular encontro com amigos, tive que mudar minha abordagem. Não sem antes, tentar me colocar no lugar do meu filho e pensar como ele em plena era digital. Foi quando comecei a encontrar um caminho.
A descoberta do erro de diagnóstico
Fui uma adolescente tímida. Em meio a cinco irmãos de personalidade forte, foi difícil formar minha própria identidade foi difícil. Minha mãe, prá completar, era uma mulher brilhante, ativa e de opinião, o que tornou meu desafio ainda mais árduo.
Lembro com sorriso no rosto, as vezes que tentou me demover da idéia de me juntar a um grupo que “não era prá mim”, como dizia. Acho que, por isso mesmo, insistia em me firmar no grupo, um meio de tentar fazer minhas próprias escolhas. Típica adolescente, não?
Naquela fase, também me detinha em meu casulo (hoje chamo de “QG” em alusão ao quartel adolescente), onde pensava na vida, chorava amores perdidos ou não correspondidos, onde confidenciava segredos com amigas, onde ouvia musica, dançava… eu comigo mesma. Sem a tecnologia não havia escapatória: era eu comigo e só.
A introspecção, a alergia à minha mãe, o respeito ao meu tempo, aos meus interesses foram uma realidade da qual não tenho como fugir de lembrar. Graças à essa lembrança e considerando a tecnologia de hoje, pude começar a entender e aprender a lidar com filho adolescente. A fobia social diagnosticada e que tanto me assombrou começou a ganhar cores mais leves.
Decidida a conhecer o mundo do meu adolescente, descobri seus interesses, me apresentei aos seus novos amigos (virtualmente). Carinhosamente passaram a me chamar de “tia”. Converso com suas mães por skype e zap. O ambiente se tornou conhecido de novo, as cores ficaram tênues.
Neste ambiente agora familiar e seguro, fui convidada a conhecer seu QG, a maior prova de que a fobia social na adolescência havia sido um diagnóstico furado. Percebi que o Fred, de fato, não fazia mais parte daquele momento de vida do filho adolescente.
Aprendendo pelo mau diagnóstico e por uma sábia descoberta
A tecnologia trouxe novas possibilidades a todos. Ao adolescente, em especial, tornou-se meio de relacionamento e coube a mim, como mãe, me atualizar para ajudar meu filho a utilizá-la a seu favor.
Por meio de filmes, minisséries (da internet!), por exemplo, tenho a chance de reforçar a importância do relacionamento interpessoal, do equilíbrio mental, da amizade, de se criar vínculos. Até para assistir acompanhado. O melhor indicador de sucesso da abordagem surgiu quando, saindo apressado, meu filho lembrou de me avisar:
– Mãe, tô saindo com o Zeca e o Rafa! Vamos ao cinema, ok? beijo! – e bateu a porta.
Não por acaso, eram os amigos virtuais que, presencialmente, fortaleciam vínculos. A tal fobia social na adolescência dissipou. Tornou-se aprendizado de um mau diagnóstico e de uma sábia descoberta: antes de adotar opiniões preconcebidas, vale mais conhecer filho adolescente como ele é. Só assim podemos ajudá-lo na difícil arte de se relacionar independente se virtual ou presencialmente.
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[…] como, por exemplo, medo de trilhar o seu futuro. Assustada, me fixei na ideia de que meu filho temia se relacionar. Simplesmente associei o interesse extremado por computador a uma incompetente comunicação com o […]