Ainda somos e vivemos como nossos pais?
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Em uma de suas mais belas interpretações, Elis Regina deu vazão à letra do saudoso Belchior retratando a angústia da juventude da época (1976) e a qual humildemente tomo a liberdade de parafrasear pela ótica de mãe de adolescente… de hoje.
Começo, então, dizendo, filho: “não quero lhe falar meu grande amor, das coisas que aprendi”… com seus avós. Em vez disso, “quero lhe contar como eu vivi, e tudo o que aconteceu comigo” quando virou adolescente. Subestimei o que estava por vir; pensei tirar de letra a nova fase que, mais tarde descobri, seria também nova fase… para mim.
No começo, permaneci igual. Assumi que, para seguir a caminhada com você então adolescente, bastaria dar os mesmos passos dados do passado. Surpreendi-me, contudo. Na verdade, tudo foi bem diferente. Caí em ciladas; muitas vezes até conhecida; ciladas “típicas” de pais de adolescente novos na função.
Inconscientemente despreparada e pretensiosamente experiente, repliquei praticas (ultra)passadas, repeti frases defasadas, adotei clichês antigos sobre você e a adolescência. Errei grosseira e inutilmente por repetir atitudes esperando resultados diferentes.
Errei várias vezes, acertei algumas mas, verdadeiramente, aprendi em todas as situações vividas contigo. Graças a você, com você, por você – e para nós – também cresci. Decerto não o bastante para ser perfeita mas o bastante para, a cada dia, me esforçar para ser melhor no mundo de hoje; também como mãe.
“Por isso, meu bem, te conto tudo o que aconteceu comigo” na expectativa de que você também mude e viva diferente de mim. Não por julgar meus passos incertos mas por hoje compreender que, a cada um, é reservada sua historia única e singular, em que as trilhas, definitivamente, não se repetem.
“Viver é melhor que sonhar” e é no exercício diário que somos chamados a realizar uma missão. Não somos massa mas indivíduos. E como tal, escrevemos enredo individualizado enriquecido por aprendizados possíveis a quem se propõe a fazer diferente e ser diferença no mundo.
Portanto, “não somos e vivemos como nossos pais”: somos – e devemos ser – diferentes para enfim, construir e contribuir com um mundo melhor a cada nova geração.
Há quem se faça ou deseje filho uma réplica dos pais. Há quem assuma atitudes e comportamentos alheios como único modelo de existência e imprima, ao contrario, a homogeneização de uma rica individualidade.
Assim vivi o começo de sua adolescência, filho. Desapercebidamente, repeti modelos dissonantes com o presente, me moldei ao perfil de pais de adolescente consolidado há gerações. Também trilhei caminhos impróprios como, por exemplo, de te encaixar em um ideal impessoal quando o que mais desejava era ser simplesmente… você.
“Por isso, cuidado meu bem, há perigo na esquina”: atalhos pejorativos e culpados terceirizados. Por mais tempo do que o devido – e até esperado – me furtei de te ajudar durante esta intensa transformação adolescente de forma diferente da convencional. Em vez disso, priorizei minhas dores de mãe de adolescente inexperiente desatenta às suas próprias, tão ou mais profundas que as minhas.
Nosso caminho, “fechado pra nós” por longo e tenebroso tempo de conflitos gerados a partir de regras e padrões universais, ficou muito – exageradamente muito – difícil; mais do que sequer imaginara mas… diferente da letra, nós vencemos: conseguimos nos diferenciar e provar de nossa singularidade. Sim, seguramente somos e vivemos diferente de nossos pais!
“Digo que estou encantada, como uma nova invenção” porque desvendar a adolescência sob novo ângulo é como sentir o “cheiro de uma nova estação”. É voltar à vida com você. “Já faz tempo, vi você cabelo ao vento” e, sorridente em meu colo, o sentia seguro o bastante desejando não outro senão aquele lugar … junto de mim.
“Na parede da memória, essa é a lembrança que dói mais” porque sei: não sou mais essencial como antes. Mas, relaxa: aprendi que isso também é bom… e esperado. É o curso natural da vida e, hoje, mãe de adolescente, também vivo diferente de antes.
Portanto, não, não somos mais os mesmos nem vivemos como nossos pais. Tudo mudou e mudará ainda mais. “Eu sei de tudo na ferida viva de meu coração” que guarda historia de superação feliz por ter despertado em tempo de ser e viver diferente de meus pais. Consciente de que filho pode ser diferente de mim.
“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos” ainda precisamos permanecer incansavelmente atentos porque as ciladas… ah, as ciladas… estas não cessam. A todo tempo nos desafiam a permanecer… como nossos pais.
“Você pode até dizer que tô por fora ou então que tô inventando, mas o novo sempre vem”. E ele também pode ser bom! Não brigue nem lute contra ele. Primeiro, permita-se conhece-lo. Prove-o e e, criticamente, avalie-o e, se melhor, não tema em ser/fazer diferente. Aprenda, usufrua, transforme! O mundo precisa ser melhor.
Seja inquieto aprendiz. Fuja das réplicas; busque autenticidade. Somos únicos, diferentes. Tente novos meios de conexão com a família. Explore com prudência e se surpreenda com as novas possibilidades. Exercite incansavelmente mesmo – e especialmente – quando sentir-se tentado a desistir. Superação é para perseverantes. Seja um. Por seu filho – em qualquer fase de vida. Pelo mundo – a cada geração.
“Hoje eu sei que quem me deu a ideia de uma nova consciência” foi Ele, Deus perfeito, que fez de suas criaturas, seres únicos e à Sua semelhança. Não como pais fragilmente humanos mas como Ele que, nunca, absolutamente nunca, desiste de Seus filhos. Nem mesmo quando adolescentes.
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