Campanha e celebridades
Depressão entrou na lista de temas relacionados ao mundo dos adolescentes e, por tabela, de seus pais. O alarmante crescimento de casos de depressão, portanto, deixou de ser exclusividade do mundo adulto. E se pensa que a notícia já é ruim o bastante, pode ficar ainda pior: até 2020, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) será a doença mais incapacitante… do planeta!
O cenário é realmente assustador. Se incluirmos os potenciais casos de suicídio decorrentes desta condição, o quadro piora. Que a depressão é doença e tem tratamento, aos poucos vamos finalmente aprendendo por meio, por exemplo, de campanhas de conscientização de massa.
Graças a iniciativas como a do famoso programa dominical de TV lideradas por médico e pacientes-celebridades, o tema é discutido abertamente e em larga escala. A causa é, de fato, boa: artistas engajados em campanhas como essa podem mesmo ajudar; mas, antes, precisamos ser coerentes.
A incoerência
Os sinais de depressão são frequentemente negligenciados até pelos mais conscientes da doença. Por desconhecimento ou, na maioria das vezes, por preconceito as evidências são minimizadas a ponto de cegar até os mais atentos. Por isso, campanhas com celebridades podem, por um lado, alertar desavisados e, por outro, não mudar nada.
O propósito é realmente bom. Porém, liderado pelos que consciente ou inconscientemente nutrem parte da doença, me soa também contrassenso. Criaturas idealizadas, unidas pelo propósito de alertar pessoas “comuns” sobre os sinais da devastadora condição, tentam então restituir a humanidade perdida em prol de uma sociedade… informada.
Entre as crises de ansiedade relatadas por atriz famosa promovida por milhares de seguidores nas mídias sociais e os recentes casos de depressão, testemunhados por artistas famosos construídos por uma auto imagem de perfeição, parecem mais uma onda de fofoca do que, de fato, conscientização sobre a complexa doença.
Devolver por um breve instante de conscientização a humanidade dos auto divinizados me soa, portanto, mais uma auto promoção do que efetiva contribuição com a sociedade doente e carente de boas referências. A ação, enfim, vira tiro no pé.
A vida além da fama
Desculpe se pareço pessimista, mal humorada, crítica; quiçá, maldosa. Enquanto escrevo, me sinto assim. Porém, passados alguns instantes prossigo: tenho a percepção de que, diferente do esperado, a campanha serve para alardear em vez de conscientizar.
A vaidosa “construção” de celebridades me impede de simplesmente absorver o que vejo e escuto. As superficiais abordagens midiáticas me cansam especialmente quando subliminarmente usam boas causas em benefício próprio.
Por mais que se tente provar que até ostentadores como a atriz-perfeita-de-milhares-de-seguidores, o comediante-revelação-do-ano e o cantor-namorado-ideal, são suscetíveis à depressão, a população-não-famosa-e-sofredora do mesmo mal permanecerá no limbo da doença. Isso porque deixaram de lado um detalhe importante: a vida é mais que ser celebridade.
Celebridades de ibope e depressão
Depressão é doença séria e desponta como um dos males do século. Sintomas, sinais e tratamentos são frequentemente expostos e discutidos em diferentes fontes formais e informais de informação. Portanto, não só com dados conscientizamos mas com exemplo de vida real.
A campanha tenta humanizar, portanto, suas divinas “criaturas”. Engajadas na causa, estas até dispõem da máscara da superficialidade. Por um breve momento, o compartilhamento da dor sensibiliza até virar espetáculo de audiência. A boa causa, enfim, se esvai e vira mais uma série especulativa da vida pessoal de ídolos e famosos.
O modelo de sucesso construído e incitado por celebridades banaliza a vida da pessoa “comum”. Em vez de ampliar a lente sobre a raiz do problema, campanhas como esta tiram o foco do que realmente interessa e vira pauta superficial sobre o assunto. Ibope e celebridades, no entanto, agradecem.
Gatilhos da depressão hoje em dia
A vaidade do mundo das celebridades ostenta falsa perfeição infelizmente almejada por grande maioria da população. Pautados nesse modelo de vida raso, famosos são enaltecidos a partir de um glamour fantasioso e, em contrapartida, nutrem parte da doença.
Discutir o mundo atual munido de bom propósito é pouco: precisamos nos aprofundar nas questões espinhosas e isso dá trabalho, dói. Melhor, então, maquia-las humanizando deuses milimetricamente construídos e unir oportunamente fatos dolorosos a boas causas sob a justificativa de desmistificar a depressão.
País de débil educação e formador de adultos de baixo senso crítico conta com cidadãos mais propensos à depressão. Pobres de conteúdo e de verdadeiros exemplos de vida, nutre sonhos superficiais a partir de celebridades rasas que, de repente, ajudam a conscientizar a população “comum”.
Jovens então vulneráveis a personalidades endeusadas por um sucesso vaidoso e autocêntrico se perdem de sua essência e, junto, o sentido da vida. Entender e (re)conhecer sinais e sintomas de depressão é importante mas conscientizar a população sobre a terrível doença exige mais: exige pessoas reais, profundas e com propósito de vida maior que ser celebridade.
A boa conscientização
Comprometida com o mundo idealizado, repentinamente, a campanha se propõe a conscientizar a população sobre a depressão na vida real. Em prol da humanidade, celebridades se dignam a mostrar sua humanidade ainda que lhes custe alguns minutos de máscaras ao chão.
O breve desapego de se igualarem aos “comuns”, de fato, me deixou mais crítica que de costume, pessimista como nunca fui; tornou a causa menos louvável. Diferente do mundo idealizado e sistematicamente vendido pelas celebridades, precisamos nos conscientizar de que as mazelas da atualidade são em parte fruto da falta de valores sólidos e permanentes.
E isso, campanhas de conscientização com celebridades infelizmente não mostram… nem vendem.
O essencial não deprime
Infelizmente boas causas ainda não bastam pra conscientizar a população sobre depressão. É preciso ser coerente e cuidadoso pra não maquiar a realidade com propósitos superficiais. Enquanto escondemos as imperfeições humanas sob a maquiagem perfeita de celebridades-divinizadas, continuaremos retroalimentando o mal do século.
Que depressão é doença, felizmente, estamos cada vez mais cientes. Resta-nos agora avançar e transformar o triste cenário em realidade melhor. A começar pela valorização do essencial, não passageiro. Do contrário, casos de depressão continuarão, cada vez mais cedo, a constar da pauta de pais de adolescente. E isso, infelizmente, não aceita maquiagem.
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