A brincadeira de Natal
Amigo oculto no Natal divide opiniões na família: para alguns, é celebração agregadora; para outros, obrigação enfadonha.
Cresci sob intenso clima de festa nesta época do ano. Desde a preparação espiritual até a festa do grande dia em si sempre foram vividas sob grande expectativa em família. Os preparativos, as surpresas, tudo exalava alegria contagiante e ansiedade gostosa o que, mais tarde, virou preciosa memória e inspiração ao Natal com meus filhos.
Assim, velhas e novas gerações, contagiados pelo propósito herdado seguimos renovando e reforçando vínculos familiares sob o compromisso de perpetuar a importância da data imbuídos do mesmo espírito alegre e conciliador de outrora.
A família crescentemente numerosa e a vida corrida começaram, então, a sinalizar mudanças como, por exemplo, a incorporação do amigo oculto de Natal. Inspirados pelo ajuste aparentemente necessário, admitimos a brincadeira como frescor imposto pelos novos tempos e ainda motivados pelo espírito de confraternização – diferente do passado – mas ainda assim alegre e conciliador.
O sentido do amigo oculto
A nova dinâmica foi bem recebida pelos mais velhos e os jovens, sem dúvida, contribuíram para isso: a vivacidade juvenil contagiou a “velha guarda” que, solícita, entrou na brincadeira com igual leveza e descontração. Assim o frisson do sorteio de nomes, da análise do gosto do amigo tirado, da escolha do presente e, por fim, do jogo de adivinha tornaram o encontro familiar ainda mais alegre, ruidoso e conciliatório.
Parte porque quem pouco se conhecia, se aproximava e, então, gostos desconhecidos, se desvendavam, tímidas identidades se expunham e, por fim, vínculos eram fortalecidos. O clima amigável e festivo davam o tom de esperança e força verdadeiramente renovadas para um novo ano em família.
O espírito de Natal perdido
Surpreendentemente, os mesmos motivos inspiradores à adoção do amigo oculto de Natal passaram a minar a nova dinâmica. A brincadeira de Natal então se tornou fardo para alguns participantes: a família numerosa ficara mais “difícil de agradar”; a vida corrida, demasiadamente estressante, não suportava “mais atribuições” e, para completar, o “dinheiro curto” estava comprometido com “outras prioridades”.
A vida e as relações decerto mudaram… e complicaram. Efeito cascata, o verdadeiro sentido do Natal, arranhado… e perdido. O período alegre e conciliatório distante de seu propósito, de repente, tornou a brincadeira obrigação penosa, presente, problema e o presenteado, persona non grata.
Pressionados pelo dever de participar da confraternização, potenciais desertores do amigo oculto passaram a viver a brincadeira como tarefa automática desprovida do espírito originalmente proposto. Desapercebidamente apartados do sentido maior de alegre conciliação, permitiram que o vínculo familiar se rompesse.
O sentido do amigo oculto de Natal
Guardo ricas memórias do Natal em família por conta de participar dela ativamente. Certamente por isso me empenho em proporcionar – senão o mesmo – o mais próximo deste espírito a filhos. Movida mais pela compreensão da mensagem por trás do amigo oculto do que pela simples troca de presentes, persisto criando e reforçando o espírito maior da alegria do encontro entre pessoas que efetivamente vivem a data com especial dedicação e preparo.
– Mãe, quem você tirou no amigo oculto? Contaí! – filho perguntou curioso.
– Ué, é o-cul-to! Então não pode saber, né? – brinquei.
– Saco, mãe! Conta só pra mim! Já sei o que vou dar pro meu! É a CA-RA dele! – insistiu curioso e, ao mesmo tempo, ansiosamente alegre.
Ia responde-lo quando o tio inesperadamente entrou na conversa:
– Pô, que saco! Não sei o que dar pra quem tirei… todo ano é um estresse comprar presente de amigo oculto! Nunca sei o que a pessoa gosta. Sem falar que, fora esse amigo oculto, tenho que comprar mil outros presentes! É muito chato! Que acham de acabarmos com o amigo oculto? Virou obrigação e puro consumismo… perdeu o sentido! – sentenciou sem notar o evidente esvaziamento de seu Natal em família.
O frescor proposto pela adoção do amigo oculto de Natal foi decisão originalmente pautada na expectativa de manter e atualizar o espírito de alegria e confraternização familiar. Empobrecida pelo automatismo mundano e pelos corações endurecidos, a ocasião se desvirtuou tornando o amigo oculto “obrigação sem sentido”. De repente, o leve e o pesado lado a lado denunciam o que muitos. como o tio, não veem: o sentido do Natal está dentro de cada um; não fora.
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Quando o Natal resplandece
Inspirar-se pelo verdadeiro espírito de Natal virou privilégio de poucos. O significativo e precioso acontecimento pouco a pouco foi ganhando contornos superficiais. Desbotados pelo tempo e esgarçados pela negligência humana, o encontro familiar virou mais uma festa constituída de pessoas próximas de sangue mas muito longe em espírito.
Um dia filha agora mãe, reconheço o valor do Natal mais e melhor. Não como um dia, uma noite, uma ceia junto da família dividida entre crentes e não crentes religiosos, defensores e contrários do amigo oculto mas como período de graças concedidas a quem está atento e apto a viver o Natal com sua magnitude que, dentre muitas práticas, é antes de tudo, encontro em família.
Portanto, adepto ou não ao amigo oculto de Natal, enxerguemos além da data ápice da festa, tornemo-nos afáveis ao espírito alegre e conciliatório que o período natalino inspira e, então, testemunharemos a graça que revigora a força e a esperança capazes de nos transformar, a cada dia, em pessoas melhores… em um mundo melhor.
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