Autopreservação é prioridade
Filho de pais separados sofre. Pais separados também. Essa equação é, no mínimo, complicada e requer raciocínio cuidadoso. Muito se fala do cuidado que pais separados precisam ter com filho durante o processo de separação. Não à toa: separar-se do parceiro é viver um luto que, por si só, demanda esforço sobre-humano para manter-se psicologicamente são. Que dirá filho.
Mais por inabilidade do que por intenção, pais separados erram pelo caminho. Por isso, em vez de apostar no domínio racional das partes, me compadeço com seus piores sentimentos sabendo o quão difícil é manter-se equilibrado e preservar filho nesse processo. Antes de esperar que tratem a questão de forma racional, espero primeiro que sobrevivam ao processo.
Portanto, costumo apoiar pais separados lhes indicando: “em caso de despressurização, vistam sua máscara de oxigênio antes de tudo”. Preservar filho depende, antes de mais nada, de sua autopreservação.
Expectativa básica e humana já é desafiadora
Quem vive uma separação costuma receber conselhos. Às vezes, escutar pessoas de fora ajuda pais separados a pensar (e agir) mais racionalmente; outras, não. Uma vez, escutei de um especialista da área uma veemente orientação: “em uma separação, pais precisam preservar os filhos.” Pensei na obviedade daquela afirmativa e completei sozinha: “disso, pais separados sabem mas, por vezes, não conseguem porque também sofrem.”
Orientações desse tipo causam angústia a pais separados. Crer que pais separados desconheçam a importância de se preservar filho nesse momento crítico soa desconhecimento de seu próprio sofrimento. Afinal, em meio à profunda dor e culpa que sentem pelo fato em si, pensar em preservar filho vai além de suas forças. Por mais que tentem, não conseguem! O processo é por demais complexo e equilibrar as emoções parece quase impossível.
Assim, em vez de impingir expectativas heróicas de racionalidade e equilíbrio sobre pais separados, melhor seria ajudá-los, primeiro, a atingirem a meta “básica” e humana da autopreservação. Isso, por si só, já lhes suga bastante energia nesse momento.
O mundo desaba pra todos
Quando um casal se separa, o mundo desaba. A segurança do lar, da família e das relações sofre um temível tsunami emocional. Adaptar-se à nova condição requer habilidade, por vezes até desconhecida. Todos sofrem: filhos e pais. A instabilidade (estrutural e emocional) causa angústia e medo; enquanto o rearranjo doméstico grita por uma solução prática, o emocional grita por uma cura. Tudo ao mesmo tempo.
Vestir a máscara de super-herói racional para preservar filho é esperar uma força incompatível com o caos emocional vivido. Se a separação é processo doloroso pra toda a família, preservar filho no meio de tamanha mudança é uma expectativa possível mas remota e quase injusta com pais separados.
Pais separados precisam de oxigênio
Um amigo passa por esse duro processo agora. Incentivando-o a verbalizar sua dor e frustração, tento aliviá-lo do fardo da culpa para sobreviver ao luto. Sem tapar o sol com a peneira, assisto sua miséria emocional acolhendo sua dor. Tento lhe dar a máscara de oxigênio necessária pra viver o luto por completo. Acredite: é o único meio de se salvar.
Solidária ao seu sofrimento e racionalmente equilibrada, acolho sua fraqueza humana sem lhe cobrar atos heróicos em momento de tamanha vulnerabilidade. Como paciente em sofrimento agudo, o encorajo a não sucumbir à dor, mas a encará-la e superá-la como (e se) for possível conseguir. Dessa forma, lhe dando o direito de sofrer, lhe dou “oxigênio” pra, primeiro, sobreviver. Só então será capaz de preservar filho.
Um dia, lhe perguntei:
– Como se sente hoje?
– Um trapo. Sem vontade pra nada, nem pra cuidar do Dado que sempre foi minha fonte de alegria. Apesar de ser a coisa certa a fazer, a vida perdeu a graça, ficou um saco. Preciso sair dessa, me esforçar por ele, mas não consigo. Dói muito… – respondeu.
De fato, pais separados sentem dor (emocional e física) de um paciente terminal. Preservar filho, nessa fase aguda, é esforço extra e que, por vezes, grava o quadro. Portanto, mais que reafirmar a óbvia importância de preservar filho, é preciso entender que separação é dor generalizada pra pais separados. Como tal, precisam de ajuda pra estabilizar o quadro antes de “preservar” filho.
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Sem heroísmos, com humanidade
Pais separados vivem o luto de uma vida em comum projetada pra ser feliz. Esperar atitudes racionais e equilibradas como a de preservar filho nesse processo é esperar ato heróico de mendigo emocional. Antes disso, é preciso entender que a dor os impede de fazer o básico como respirar, por exemplo. Que dirá preservar filho!.
Portanto, mais que tornar o fardo da separação ainda mais pesado para pais separados, mais realista e justo ajudá-los a sobreviver à “despressurização” primeiro. Sem heroísmos, com humanidade e atitudes básicas, eles conseguirão então preservar filho.
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