Relacionamento abusivo em qualquer fase da vida
Vivi um relacionamento abusivo: já adulta, madura e experiente (era o que pensava) caí na cilada de viver uma relação abusiva. Como todo vício, sentia prazer na hora mas, passado o momento realmente revitalizante, vinha a angústia, a insegurança, o medo de viver… sem o predador.
Depois de muito tempo neste ciclo vicioso, permissivo e destrutivo, notei a angústia vivida. Mas foi o autoconhecimento e o amor pela vida que me levaram a buscar ajuda antes que me tornasse definitivamente escrava daquela experiência doentia. Foi então que reconheci e finalmente nomeei aquele relacionamento: “abusivo”.
Surpresa e ao mesmo tempo assustada e parcialmente recuperada de tamanha vulnerabilidade, me preocupei com meus adolescentes: se eu, mãe, adulta, madura e experiente caí no perigoso jogo psicológico, quão suscetíveis filhos imaturos, inexperientes e em plena fase de desenvolvimento estariam de viver o mesmo?
O gosto amargo e doloroso de me ver “isca” em um relacionamento abusivo despertou o desejo de me curar do carrasco que me viciava sem dó nem piedade. Uma vez curada, aprendi a lição de não me deixar levar pelo prazer mas, cautelosa, atenta e, sobretudo, consciente de mim mesma, reconhecer os primeiros sinais de uma potencial relação abusiva seja com um par, seja com amigos, família e trabalho.
Lembrei então da história de uma mãe que, “aflita com a amizade permissiva e dependente da filha”, me relatou a dinâmica daquela relação. Agora, pelo menos um pouco “experiente” no assunto, não só percebi os sinais como também aprendi algo mais: estamos suscetíveis a viver relacionamento abusivo em qualquer fase da vida; tanto na adolescência quanto depois dela.
Diferentes facetas de uma mesma trama
Os atores dessa sórdida trama se tornam bem óbvios depois que se vive a experiência de um relacionamento abusivo. O abusador é sedutor, tem boa oratória; não à toa, convence o “inexperiente” de seu amor e cuidado aparentemente genuínos. Sim, ele te “enche a bola”, enaltece suas qualidades, faz você se sentir especial. Essa é a hora em que a baixa autoestima potencializa sua condição de “presa ideal”.
Conquistado território e fortalecida sua presença, o pretenso amigo te suga a energia, a vida. Sob um hábil discurso de amor e proteção, sutilmente “molda” você ao gosto dele dando “dicas” de como falar, agir e comportar-se. Sem perceber, você restringe companhias, programas, roupa. Egoísta e calculista, te manipula até você crer que não consegue viver sem ele: te vicia.
Sob diferentes facetas, esse jogo sórdido e assustador é regido por pessoas doentes o que torna a experiência ainda mais perigosa. Infelizmente, há muitos deles por aí, adultos e adolescentes que, sem diagnóstico , sem tratamento, sem supervisão, emendam relacionamentos abusivos após cada presa que consegue se libertar. Pode ser aquele sujeito que costumamos sintetizar como “incapaz de manter relacionamentos” até aquela “melhor amiga” descrita pela mãe. Em diferentes graus, tudo é exemplo de relacionamento abusivo.
O padrão dos sinais e perfis
Adolescência é fase de cultivar amizades que comumente seguem por toda a vida. É mesmo delicioso ter e manter amigos de infância e adolescência. Vínculos que de tão raros são preciosos. Mas na adolescência também acontece de “colarmos” em supostos amigos que, na verdade, se tornam verdadeiramente tóxicos.
Tive uma amizade assim na adolescência. Minha mãe insistia em criticá-la porque, segundo ela, a Mari “não fazia bem pra mim”. Assim tentava me convencer sem argumentos efetivos. Enquanto se preocupava, eu a rotulava de preconceituosa me valendo de justificativa injusta:
– Saco, mãe! Fala isso porque ela é de família humilde.
Mas o tempo correu e a dinâmica vivida mostrou finalmente a típica adolescente insegura que, depois de me conquistado, me manipulava fazendo-me presa dependente de sua amizade. Pesado… como toda relação abusiva.
Não importa a fase de vida: os sinais dessa trama tem um padrão e, por isso, importante estar atenta e não despreza-los ou minimiza-los como comumente acontece. É doentio, de pessoas doentes.
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Amizades tóxicas na adolescência
Ao lembrar o relato daquela mãe, reconheci os sinais por ter vivido a situação quando adolescente subjugada a uma amizade egocêntrica, centralizadora e ciumenta. Ingênua e relutante em desfazer a imagem de amiga sofria na prática abuso psicológico.
Já viciada, a “presa” se convence de que seu algoz é o único capaz de amá-la, entendê-la e aceitá-la como é de verdade. Vulnerável e dependente, alimenta falsa segurança e auto critica exacerbada assumindo para si toda e qualquer “falha” da relação.
Pouco a pouco, a autoconfiança vai-se corroendo pelo abusador, sempre sempre hábil sedutor e, consequentemente, manipulador. Primeiro seduz; depois, aponta defeitos… constante e continuamente mas com o cuidado de sempre reforçar seu “amor” “apesar de você ser uma pessoa difícil”, assim dizendo. Sem saber e totalmente envolvida, você passa a viver o abuso psicológico como algo normal ou, pior, até merecido!
Há amizades na adolescência que se tornam tóxicas. Amigos íntimos que sabotam outras relações, que te impedem de dividir a atenção com outros senão com ele, de viver outras experiências, atividades, diversões e ocupações senão aquelas por ele aprovadas. Aquele suposto amigo, então, te rouba a vida e, cegamente, você permite.
Aquela mãe tinha motivos para se preocupar: os sinais de abuso psicológico eram evidentes mas só aos de fora daquele círculo vicioso. A dinâmica e os atores eram iguais – seguem padrão! – assim como o posicionamento da filha quando o assunto vinha à tona:
– Que saco, mãe! Vem você de novo falar mal da Mari! Pura implicância! Até agora não entendo porquê disso!
O perigo nos ronda o tempo todo
Infelizmente a filha não entenderá até amadurecer e à mãe caberá permanecer perto e atenta neste período de cegueira porque insistir em convencê-la de sua percepção só a afastará da filha e o resultado poderá ser pior. Neste caso, manter-se próxima e perenemente observadora era necessário e factível àquela altura para, ao menos, proteger a filha do bote quando o golpe parecesse iminente. Este era seu limite de ação naquele momento.
Passamos por experiências como essa na adolescência e, na maioria das vezes, sobrevivemos. Ganhamos recursos para identificar novas situações como essa. É o que se espera disso tudo. Continuamos vivendo sem garantia de nada e prova disso é que, mesmo conhecendo relacionamento abusivo na adolescência, caí na cilada de também vivê-lo quando adulta.
A diferença é que “a luz amarela” acendeu e em tempo de sair mais rápido e menos machucada do que daquela vez. Entendi quão arrogantes podemos ser de nos crermos – adultos ou adolescentes – nada suscetíveis a um relacionamento abusivo.
Fique atento aos sinais; não os despreze com justificativas banais ou autodepreciativas; permaneça junto de seu adolescente de verdade e, se precisar passar por essa experiência, aprenda a lição e cresça com filho atentando-se às ciladas. Afinal, o perigo nos ronda o tempo todo, em todo lugar, em qualquer fase da vida.
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