O ídolo e a referência
Ter ídolo na adolescência é prática naturalmente aceita pelos pais. Em fase de formação da própria identidade, o jovem costuma se espelhar em referências fora do círculo familiar e eleger ideais de personalidade para si. Portanto, admirar e se inspirar em ídolos é comportamento até esperado.
Nunca fui adepta a idolatrias mas a referências. Nem na adolescência me recordo de algum tipo de idealização sobre alguém. Talvez porque, desde cedo, não acreditasse em personagens perfeitos como a idolatria faz crer. Na verdade, sempre fui um tanto desconfiada e, até hoje, sou.
Por isso, não tive ídolo na adolescência: me parecia demasiado arrogante enxergar o outro como um modelo de perfeição. Em vez disso, contei com referências, modelos humanos e imperfeitos que me inspiravam a ser uma pessoa melhor. Deu (e continua dando) certo.
Ao contrário da idolatria que evidencia meu descontentamento comigo mesmo e desejar ser o outro idealizado, me espelhei em referências que me inspiraram a ser minha melhor versão humana e real. Encorajo filho a fazer o mesmo: a buscar o ídolo verdadeiro que está dentro de si, não fora.
O tiro sai pela culatra
Ainda que a idolatria seja vista com naturalidade, a prática sempre me incomodou. A ideia de cultuar outro indivíduo como divindade me parecia refletir um desejo reprimido de ser outra pessoa que não si mesmo, uma frustração portanto da pessoa que efetivamente é. Por isso, enxergo a idolatria com preocupação. Em seu lugar, adoto referências.
A idolatria desenha imagem idealizada e leva o jovem a aspirar um modelo de perfeição irreal. Imaturo, não só admira mas também copia a identidade alheia desrespeitando a sua própria. Assim, refém de uma personalidade projetada e com metas (inatingíveis e irreais) de perfeição se torna profundamente insatisfeito consigo mesmo. O tiro sai pela culatra.
Quando a inspiração vira paralisia
Filho adolescente se tornou fã de um atleta famoso. De fato, um referencial de comportamento e personalidade que, agradeci aliviada de ter captado a atenção dele. Afinal, a fase é de eleger referências e aquele ídolo na adolescência pareceu ser uma boa fonte de inspiração para filho.
Porém, a admiração inicial e o envolvimento com sua vida e história foram ganhando proporções exageradas. Tudo o que fazia, falava, comprava, assistia era relacionado ao ídolo e à sua vida. Já cansada de tamanha idolatria, o abordei certo dia:
– Não acha que está exagerando? Ele é, de fato, inspirador e parece mesmo um ótimo exemplo a seguir. Mas você não precisa ser igual a ele pra ter seu valor. Como ele, você também tem características que te tornam único e especial pra mim e pra quem te conhece.
– Saco, mãe! Que cê tá falando? Nada a ver! Que que tem eu curtir o cara? Ele é demais! Perfeito! Além de ganhar todos os campeonatos e muita grana, tem milhares de amigos e seguidores! Isso porque só tem 20 anos! Queria ser ele! – retrucou.
Ainda que seu sucesso profissional fosse incontestável, precisava mostrar ao filho que ter ídolo na adolescência pode ser também perigoso quando a prática vira idolatria . A imagem idealizada que o cegava do próprio potencial o estagnava em vez de movê-lo adiante pra viver a própria vida. Em vez de inspirá-lo a se aprimorar, o paralisava sob um modelo idealizado e um mundo irreal.
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O exercício de descoberta do filho
Entendi aquela admiração exagerada como sinal de alerta e agi: precisava ajudar filho a enxergar em si mesmo as características que o tornavam especialmente singular e admirável por ser quem é. O exercício foi surpreendentemente difícil. Não porque não as tivesse (e as comprovei com fatos) mas porque me dei conta de que nunca tinha parado pra refletir sobre elas.
Diante da dura constatação, comecei por reconhecer suas atitudes e comportamentos positivos; depois, por ressaltar suas melhores características e, finalmente, por apontar as qualidades que o tornam especiais pra mim e para os que o cercam.
Em suma, nomeei seus diferenciais que o tornam único e especial pra mim e no mundo do qual faz parte, o real e mais importante: o seu, o que realmente importa.
O verdadeiro ídolo na adolescência está dentro
Ter ídolo na adolescência é admirar alguém que enxergamos fazer diferença no mundo e isso é bom enquanto nos inspira a fazer o mesmo. Na adolescência, quando a busca da própria identidade sofre diferentes influências e, com sorte, conta com referências que ajudam o jovem a formá-la, a prática da idolatria se torna sinal de alerta aos pais: é preciso ajudar filho a se reconhecer bom o bastante por já ser quem é.
Por isso, mais que ídolo na adolescência, espero que filho encontre referências capazes de fortalecer sua personalidade, não de miná-la; ajudo filho a descobrir seu imenso valor por ser como é. Consigo assim, lhe mostrar que o verdadeiro ídolo é inimitável por sua singularidade que vem de dentro, não de fora.
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